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domingo, 23 de maio de 2021

Reflexão de 15 anos (ou: avante para o passado)

Abigail Pereira Aranha

Era 23 de maio de 2006 quando eu escrevi o meu primeiro texto na blogosfera: "Prazer, meu nome é Abigail, sou uma 'teen' querendo um papo bom com adultos"[1]. Foi uma apresentação um tanto inocente, mas não só porque era adolescente (a apresentação, eu também era, com 15 anos). Eu fiz essa apresentação pra tentar trazer uma proposta filosófica: que, com amor à verdade, você pode se aproximar mais da verdade observando o que já sabe. E a versão com pornografia vem de uma parte dessa proposta: a de que ser heterossexual não significa ser imaturo ou idiota. Aí eu chamo você pra reflexão que eu tenho feito há uns poucos anos que pode até dar vontade de chorar um pouco: onde nós chegamos nesses 15 anos?

Mas a lembrança que eu gostaria de puxar é um tanto ao contrário de que cursos você fez, em quais empregos você trabalhou, em que cidades você já passou férias, etc.: é o quanto você se desenvolveu como pessoa. Por que um tanto ao contrário? Porque tem a ver com o quanto você se desenvolveu além do seu "curriculum vitae", fora do seu emprego e especialmente o quanto você progrediu para se preocupar menos com a aparência de alguma coisa que impressiona o público medíocre. E isso tem a ver com outro nível de desenvolvimento: o quanto você se tornou capaz de perceber o que acontece do nível comunitário ao nível internacional. Mais: o quanto você incorporou, pela sua experiência cotidiana, de valores mais abrangentes que o seu ambiente imediato, valores da parte mais nobre da espécie humana. Vou dar um exemplo da minha experiência, ou melhor, uma linha geral de uma série de experiências: eu escrevi algumas observações neste meu trabalho de 15 anos que vários "influenciadores", não só do Brasil, só perceberam e disseram algo a respeito anos depois, durante uma crise econômica no Brasil, durante uma crise econômica nos Estados Unidos, durante a censura aos conservadores nas redes sociais do Ocidente, durante a perseguição contra antiesquerdistas em grandes empresas, etc.

Se você leu aquele meu primeiro texto, você deve perceber que eu não era boa de escrita e nem tinha informações acima da média. Mas em 2006, 2008, mesmo sentindo um pouco de vergonha do meu estilo, eu sabia que tinha que publicar aquele conteúdo. Porque o mínimo de valor desse trabalho seria o registro do esforço pessoal de busca da verdade. E o mínimo de valor desse registro seria como um modelo. E ficou clara, com os acontecimentos deste intervalo de tempo no mundo, a diferença entre a pessoa que busca a compreensão da realidade a partir de observações do dia-a-dia, inspirada pelo amor à verdade, e a pessoa que mal começa a fazer análises tardias além das questões do imediatismo quando a lama vinda de longe chega aos pés.

E se eu tivesse, entre aspas, "estudado" por 15 anos, calada no anonimato e voltando agora? Eu começaria com Lula no primeiro mandato na presidência do Brasil, com o escândalo do Mensalão ainda fresco, com as pessoas decentes da esquerda já começando a cair fora do PT e do PCdoB; eu voltaria agora com pelo menos 3 anos de defasagem em relação a qualquer ninfeta que começou a fazer piadas com o Feminismo Radical nas redes sociais depois de 2014. E se eu chegasse hoje, do anonimato, trazendo para o nível Brasil uma espécie de Internacional Comunista de sinal contrário? O que eu conseguiria além de reavivar as dinastias políticas católico-protestantes dos anos 1960? É mais fácil prender todos os socialistas do Brasil do que convencer os conservadores de que a vida sociopolítica é mais que o provincianismo católico-protestante recheado das conveniências do mês.

Eu não poderia apenas fazer um texto de dia feliz com lembranças do prazer que eu tive com e dei para centenas de homens dentro e fora da internet nestes 15 anos. E não só o prazer que alguns estão pensando. Mas vou destacar o "prazer que alguns estão pensando". Eu trouxe um pouco de licenciosidade e ateísmo também como uma proposta de filosofia e desenvolvimento interior. Eu trouxe a pergunta, um tanto complexa, de quanta burrice alguém está disposto a aceitar sob o guarda-chuva da castidade ou o da existência do deus judaico-cristão (ou de algum deus). Mas de 2006 a 2021, acabei trazendo mais dois problemas quase sem perceber. O primeiro é o quanto as mulheres do dia-a-dia se tornaram mais ridículas e, mesmo para sexo, mais repulsivas. O segundo é o quanto os cristãos se tornaram mais reprováveis e, mais ainda, mais ignorantes da própria fé.

Em maio de 2021, estamos na pandemia de pânico da CoViD-19, sobre a qual já escrevo há mais de um ano. Então, como eu já escrevi a respeito, vou enfatizar só um ponto (sobre o qual eu já comentei nesses textos): da idosa que borrifa álcool no calçado de quem entra na sua casa em um bairro pobre do Brasil aos governantes locais que decretam fechamento do comércio, o "combate ao coronavírus" é um insulto ao que ainda era de conhecimento público sobre saúde no Brasil em maio de 2019. Mas isso nem é um problema isolado, é só uma sequência da onda de falta de integridade mental geral[2].

Por que não tivemos uma revolta intelectual contra maioria de semianalfabetos nas universidades brasileiras e, provavelmente, nos postos de trabalho no serviço público e na iniciativa privada? Porque o sonho da maioria dos brasileiros que não estavam nas universidades ou no serviço público era encher a carteira, em geral com um serviço público no Brasil ou um emprego privado no Primeiro Mundo. Em 2006, aqueles semianalfabetos eram muitos, mas não a maioria. Até nós termos uma legião de pessoas com diploma universitário desempregadas e outra legião, empregada, fazendo besteiras épicas, questões intelectuais-culturais eram bobagem de conservador com vida confortável ou, até o começo dos anos 2010, de jovem esquerdista sonhador.

Eu digo tudo isso para explicar o que eu tento trazer desde o começo deste trabalho: as questões intelectuais são muito mais importantes do que as pessoas que se dizem "práticas" pensam. Agora, a conta do desprezo à inteligência e à verdade começou a chegar. E exatamente pelo desprezo à inteligência, os que pagam este preço não sabem por que o pagam.

Hoje, nós estamos em um ponto em que os progressistas andaram tanto pra trás que os reacionários estão à frente. Nós estamos em um ponto, em aspectos como violência urbana, inteligência universitária ou relacionamento homem-mulher, em que se nós andarmos pra frente, vamos encontrar o passado no caminho.

NOTAS E REFERÊNCIAS:

[1] "Prazer, meu nome é Abigail, sou uma 'teen' querendo um papo bom com adultos", 23 de maio de 2006, A Vez das Mulheres de Verdade, https://avezdasmulheres.blogspot.com/2006/05/prazer-meu-nome-e-abigail-sou-uma.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2006/05/prazer-meu-nome-e-abigail-sou-uma-teen.html.

[2] "Notas sobre falta de integridade mental, da peste bubônica ao vírus chinês", 16 de abril de 2020, A Vez das Mulheres de Verdade, https://avezdasmulheres.blogspot.com/2020/04/notas-sobre-falta-de-integridade-mental.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2020/04/notas-sobre-falta-de-integridade-mental.html.

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