Os que definiram a Lógica como a ciência das leis do pensamento sustentaram, freqüentemente, que existem exatamente três leis fundamentais do pensamento, as quais são necessárias e suficientes para que o pensar se desenvolva da maneira "correta". Essas leis do pensamento receberam, tradicionalmente, os nomes de Princípio de Identidade, Princípio de Contadição (por vezes, Princípio de Não-Contradição) e Princípio do Terceiro Excluído. Há formulações alternativas desses princípios, apropriadas a diferentes contextos. No nosso caso, as formulações apropriadas são as seguintes:
O Princípio de Identidade afirma que se qualquer enunciado é verdadeiro, então ele é verdadeiro.
O Princípio de Contradição afirma que nenhum enunciado pode ser verdadeiro e falso.
O Princípio de Terceiro Excluído afirma que um enunciado ou é verdadeiro, ou é falso.
Na terminologia do presente capítulo, podemos reescrevê-los da seguintes maneira. O Princípio de Identidade afirma que todo o enunciado da forma p ⊃ p é verdadeiro, ou seja, que todo o enunciado desse tipo é uma tautologia. O Princípio de Contradição afirma que todo o enunciado da forma p ⋅ ~p é falso, ou seja, que todo enunciado desse tipo é contraditório. O "Princípio do Terceiro Excluído" afirma que todo o enunciado da forma p ∨ ~p é verdadeiro, ou seja, que todo o enunciado desse tipo é uma tautologia.
Esses princípios têm sido alvo de objeções, de tempos em tempos; mas, em sua maioria, as objeções parecem basear-se em mal-entendidos. O "Princípio de Identidade" foi criticado com fundamento em que as coisas mudam, visto que, o que era verdadeiro sobre os Estados Unidos quando consistiam nos treze minúsculos estados originais, deixou de ser verdade para os Estados Unidos de hoje, com seus cinqüenta estados. Num certo sentido da palavra "enunciado", essa observação é correta; mas esse sentido não é aquele que concerne à Lógica. Aqueles "enunciados" cujos valores de verdade mudam com o tempo são expressões elípticas ou incompletas de proposições que não mudam e são destas que a Lógica se ocupa. Assim, o enunciado "Há somente treze estados nos Estados Unidos da América" pode considerar-se uma expressão elíptica ou parcial de "Havia somente treze estados nos Estados Unidos da América, em 1790", o que é tão verdadeiro no século XX quanto era em 1790. Quando limitamos nossa atenção aos enunciados não-elípticos ou completos, o Princípio de Identidade é perfeitamente verdadeiro e indiscutível.
O Princípio de Contradição foi criticado por hegelianos, os semânticos, em geral, e os marxistas, com fundamento em que há contradições, ou situações nas quais forças contraditórias ou conflitantes estão em ação. Devemos admitir que há situações que contém forças conflitantes, e isto é tão verdadeiro no domínio da mecânica como nas esferas social e econômica. Mas é uma terminologia vaga e inconveniente chamar "contraditórias" a essas forças conflitantes. O calor aplicado a um gás contido, o qual tende a provocar a sua expansão, e o recipiente que tende a conter a exansão desse gás, podem ser descritos como um conflito mútuo, mas nenhum deles é a negação ou a contradição do outro. O proprietário privado de uma grande fábrica, que requer milhares de operários que trabalham em conjunto para o seu funcionamento, pode opor-se ao sindicato e ser, por seu turno, combatido por este, o qual jamais teria se organizado, se seus filiados não tivessem sido reunidos para trabalhar nessa fábrica; mas nem o proprietário nem o sindicato são a negação ou o contraditório do outro. Quando entendido no sentido em que se considera correto, o Princípio de Contradição é perfeitamente verdadeiro e igualmente indiscutível.
O Princípio do Terceiro Excluído é objeto de mais ataques do que quaisquer dos outros princípios. Afirma-se, insistentemente, que sua aceitação leva a uma "orientação bivalente", a qual implica, entre outras coisas, que tudo é branco ou preto, excluindo todos os domínios intermédios. Mas, ainda que o enunciado "isto é preto" não possa ser verdadeiro a par do enunciado "isto é branco" (em que a palavra "isto" se refere, exatamente, à mesma coisa em ambos os enunciados), um não é a negação ou o contraditório do outro. Indubitavelmente, não podem ser ambos verdadeiros, mas podem ser ambos falsos. São contrários, mas não contraditórios. A negação ou contradição de "isto é branco" é "~ isto é branco", e um destes enunciados deve ser verdadeiro - se a palavra "branco" for usada nos dois enunciados, exatamente no mesmo sentido. Quando restrito a enunciados que contêm termos totalmente isentos de ambigüidade e absolutamente rigorosos, o Princípio do Terceiro Excluído também é verdadeiro.
Embora os três princípios sejam verdadeiros, poder-se-á duvidar, contudo, de que possuam o status privilegiado e fundamental que tradicionalmente lhes é atribuído. O primeiro e o terceiro não são as únicas formas de tautologia; nem a contradição explícita p ⋅ ~p é a única forma contraditória de enunciado. Entretanto, as Três Leis do Pensamento podem ser consideradas como tendo um certo status fundamental em relação às tabelas de verdade. Quando preenchemos as colunas subseqüentes com referência às colunas iniciais, somos guiados pelo Princípio da Identidade; se um V for colocado sob um símbolo, numa fila determinada, então, ao preenchermos outras colunas correspondentes às expressões que contêm esse símbolo, quando chegamos a essa fila consideramos que, ao símbolo em questão, tem que ser atribuído um V. Ao preenchermos as colunas iniciais, pomos em cada fila um V ou um F, guiados pelo Princípio de Contradição. As Três Leis do Pensamento podem ser consideradas os princípios básicos que governam a construção das tabelas de verdade.
Entretanto, convém assinalar que, quando se procura construir a Lógica como um sistema, as três leis não são mais "importantes" ou "férteis" do que quaisquer outras; pelo contrário, há outras tautologias que são mais férteis para os propósitos de dedução - e, por conseguinte, mais importantes - do que os três princípios que acabamos de analisar. Contudo, um tratamento mais desenvolvido dessa questão está fora do âmbito deste livro.
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COPI, Irving M. Introdução à Lógica. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1978, pág. 256 - 8.
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Abigail Pereira Aranha no VK: vk.com/abigail.pereira.aranha
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