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quinta-feira, 30 de junho de 2022

A Sociedade dos Garotos - parte 9: o mal, o fracasso e o Brasil

Abigail Pereira Aranha

1) Introdução

Quando nós pensamos em uma pessoa má, nós costumamos pensar em uma pessoa inteligente e com um sucesso na vida suficiente para ter meios de ação. Parece que nós formamos essa imagem lendo a Bíblia, ouvindo contos e vendo televisão, porque até nos desenhos animados é assim. Quando o vilão é meio burro ou tem poucos meios de ação, nós achamos até uma certa graça nele. Algumas comédias, alguns seriados humorísticos e alguns desenhos animados de classificação livre são assim. Eu comecei a perceber há alguns meses como isso é perigoso pras pessoas de caráter, e eu gostaria de compartilhar isso com você.

2) O que o Brasil pode ensinar

O Brasil é um exemplo de como é perigoso confundir a bondade com a falta de recursos ou de inteligência para a prática da maldade. O grande exemplo de como é mentira a ideia de que o brasileiro é honesto é que Lula e Dilma Rousseff foram eleitos e reeleitos democraticamente como presidentes do Brasil. Lula foi reeleito depois da denúncia do Mensalão, com o qual ele conduziu o primeiro mandato, nos grandes veículos da comunicação de massa tradicional. Mas Lula, mesmo tendo cara e sotaque de um metalúrgico nordestino qualquer, ainda tinha cultura e desenvoltura de fala. E Dilma Rousseff, uma mulher notoriamente pouco qualificada, por que ela foi eleita? Só porque ela foi apoiada pelo Lula? Em parte sim. Mas mesmo nisso, por que exatamente ela foi escolhida como candidata? E nisso, o país tinha quase 90% de cristãos declarados no Censo 2010. Cristãos superficiais? Sim, e isso também tem a ver com o assunto.

Uma pessoa de inteligência medíocre, socioeconomicamente fracassada, sem beleza física e semianônima pode ser uma pessoa cortês por falta de expectativa de progresso pessoal, às vezes com uma raiva encoberta da vida ou uma inveja disfarçada de quem teve mais sucesso. O sistema ético dessa pessoa coloca como princípios superiores a estupidez, o semianalfabetismo (ou o analfabetismo total), a senilidade, o desequilíbrio mental-emocional, a truculência, o abuso de poder, a pobreza, o sofrimento e a vida sexual precária. O conhecimento que tem valor é aquele relacionado ao trabalho para a subsistência ou para serviços domésticos, numa pobreza que não é só a socioeconômica; ou o que tem valor apenas para ostentação social, inclusive num trabalho melhor remunerado. Dentro deste sistema ético, palavras como "honra" ou "moral" são sinônimos de vida sexual precária, menosprezo pelo sexo ou falta de atrativos físicos; ou, no mínimo, uma conduta pública que aparente isso. Mas em todos esses casos, curiosamente, o sistema de valores nunca deixa essa pessoa com sentimento de falta. A superioridade moral e intelectual em relação à mediocridade do entorno ou mesmo qualquer coisa melhor que a pequenez de espírito pessoal é, neste sistema de valores, algo inalcançável ou um privilégio de pouquíssimas pessoas selecionadas, que têm o cargo de usar esta superioridade para atender as demandas das demais. O sentimento de superioridade é outra coisa muito mais fácil, que pode vir com algo como a adesão a um grupo religioso (aqui eu volto à questão dos cristãos superficiais, mas não acabo por aqui) ou o pertencimento a um grupo social (como uma tribo ou uma casta).

Essa pessoa pode deixar tudo isso praticamente confinado ao ambiente doméstico ou ao trato com umas poucas pessoas, na medida do seu próprio fracasso socioeconômico. Mas centenas de pessoas fracassadas de mau caráter podem se unir pra fazer um bairro ou um lugarejo mais feio, uma feiura que a pobreza não basta pra explicar; milhares dessas pessoas podem deixar feia, empobrecida, atrasada e perigosa uma cidade inteira; milhões, um país. Daí o caso da eleição de Lula e Dilma Rousseff no Brasil, o primeiro mandato do Lula foi a quarta eleição pra presidente com voto facultativo para analfabetos (isso tem que ser observado, e os analfabetos totais não eram uma porcentagem inexpressiva na época). Explicar a miséria de espírito pela pobreza econômica não parece mais tão plausível, e só mostra o verdadeiro problema: a pobreza moral que faz o bem, a beleza, a inteligência e o sucesso por mérito serem desconhecidos, se não inconcebíveis. Uma consequência dessa visão de mundo, que se torna um outro princípio, é que o caráter, a inteligência, a sabedoria e a própria saúde mental são fracos e inúteis quando não servem à "vida prática" (o nível mais maçante da vida limitada das pessoas medíocres). Mesmo que a pessoa com essa estrutura moral e mental professe o Cristianismo, como aqueles quase 90% dos brasileiros no Censo 2010, não concebe nem o nível de inteligência, de caráter e de força de um profeta do Velho Testamento. E aqui eu volto à questão dos cristãos superficiais.

3) A filosofia do fracasso no Cristianismo

Como uma religião venceu o Império Romano e é professada hoje por mais de 2 bilhões de pessoas (ou 2 mil milhões, se você é um lusófono não-brasileiro) se essa religião diz que todos os seres humanos são pecadores e só o Deus dela é o verdadeiro? Se o acesso a artes sensuais e a participação em bacanais e orgias eram privilégios de senhores de escravos e proprietários de terras (porque aquilo tudo era coisa religiosa), por que o mundo cristão abriu mão até disso? Não haveria um certo apelo popular em o filho do único deus verdadeiro se fazer homem numa província insignificante do Império Romano (igualmente insignificante no Império Grego), e essa província ser a nação especial daquele único deus verdadeiro? E pra completar, a relação entre alto percentual de cristãos e baixos índices sociais de qualidade de vida não tem objeção séria.

E não vamos dizer que o mundo cristão produziu artistas, cientistas, etc. Em primeiro lugar, porque a exceção alfabetizada só confirma a regra, que uma pessoa nativa de um país cristão que estava acima da mediocridade geral era cristã porque não tinha o direito de ser outra coisa. Em segundo lugar, porque quem usa exemplos como Blaise Pascal ou Leonardo da Vinci não se lembra de (ou nem sabe) que o primeiro papel foi criado na China no século II ou que os algarismos de 0 a 9 (indo-arábicos) foram criados por matemáticos persas e árabes na Índia, e nenhum deles ouviu falar de Jesus Cristo ou de Moisés. Ah, e você viveria bem num lugar que queima livros, inclusive exemplares da Bíblia, numa praça com uma concentração de maltrapilhos analfabetos?

Na parte de queima de livros, e de pessoas, dirá o cristão sério que isso não está na Bíblia. O que esse cristão não sabe é que o Novo Testamento só é menos totalitário e assassino que o Velho Testamento porque o Velho Testamento foi feito para um país (dois livros tem "lei" na raiz do nome, Levítico e Deuteronômio), e o Novo Testamento foi feito (como dizem) para uma comunidade marginal do Império Romano.

Ainda na questão da fé cristã, você pode observar, se já não percebeu antes, que na medida de quanto a própria pessoa falante é fracassada e moralmente pobre, fala mais de como a espécie humana é maligna, como a vida terrena é naturalmente de sofrimento e como uma mulher com vida sexual decente é do nível mais baixo de dignidade. E na parte da vida sexual decente, a sexofobia atende muito bem a parte da população feminina que é feia de corpo e de modos, que é quase todo o universo feminino. Vejamos bem que uma mulher pode ser feia, ter corpo feio e ser desinibida com os homens tanto no contato do dia-a-dia quanto no sexo, e, assim, ser muito popular entre os homens. Fora a parte do corpo feio, é o meu caso (mas eu disfarço as minhas formas na rua). Quase todas as mulheres nem isso oferecem. Mas a parte do universo feminino com corpo interessante (para os homens) ou pelo menos simpática não costuma ter menos aversão ao sexo, essa adota a castidade. Para essas, o fracasso não é não conseguir sexo mesmo se quisesse, é não oferecer o que poderia.

4) A filosofia da imoralidade no Cristianismo

Você pode ver no Brasil qualquer vaca "loser" citar trechos bíblicos como estes: "maldito o homem que confia no homem" (Jr 17: 5); "não há um justo, nem um sequer" (Rm 3: 10); "no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" (Jo 16: 33); "tudo posso naquele que me fortalece" (Fp 4: 13, Nova Versão Internacional); "se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8: 31). Cada uma dessas frases é uma violência contra o significado original, não raro fragmentos de versos fora do contexto do próprio verso inteiro. Mas aqui eu vou focar em outro problema: o código imoral. Quando uma pessoa tem em mente aqueles fragmentos bíblicos que afirmam a suposta maldade humana, o bom caráter é inconcebível para essa pessoa. E quando essa mesma pessoa tem em mente fragmentos bíblicos que afirmam que a vida humana é miserável, considera que o bem-estar é anormal, quando não pecaminoso. Em geral, essas duas teses são afirmações que a pessoa faz pra si mesma pra não refletir sobre A PRÓPRIA PESSOA miserável.

E os fragmentos bíblicos sobre as bênçãos de Deus trazem um outro problema moral: o rebaixamento do Senhor dos Exércitos a um deusinho doméstico de alguma vaca de periferia. Nestes textos bíblicos, e aí eu preciso abordar um pouco do contexto, a promessa da bênção de Deus é pra quando você serve a Deus, não vice-versa. Por exemplo, Paulo era um apóstolo em prisão domiciliar por pregar o Evangelho, não um favelado com sonhos consumistas. Eu disse que era um problema moral em vez de teológico porque Deus continua sendo o Senhor dos Exércitos, mas subordinado à pessoa em questão; logo, essa pessoa é o padrão de conduta do próprio Deus e, consequentemente, do Universo. Todas as aberrações nas igrejas cristãs, tanto no sentido de doutrina quanto de conduta prática, são consequência disso. Aliás, você pode ouvir pregadores e cristãos falarem de perdão de Deus, mas não de arrependimento.

Ah, e você pode ver não poucas mulheres pastoras, mas quem prega contra o "pecado sexual" quase sempre é homem. Percebeu por quê? Os pregadores homens ainda tentam agradar a mãe feiosa e a esposa frígida. Mas a parte feminina dos ouvintes das mulheres (vamos pular a parte doutrinária da "mulher pastora") tem muitas mães solteiras, muitas mulheres divorciadas, um bom tanto de prostitutas, um bom número de mulheres adúlteras (muitas com amantes da própria igreja), e, conforme a igreja, até lésbicas e bissexuais. Antes fosse porque as moças cristãs estão menos reprimidas sexualmente.

5) A família é a base da sociedade... perversa

Quando Paulo Freire, no seu livro "Pedagogia do Oprimido", escreveu o capítulo "Justificativa da 'pedagogia do oprimido'" onde ele explica que sem o "partejamento de sua pedagogia libertadora", "o novo homem", para os oprimidos, "são eles mesmos, tornando-se opressores de outros", ele sabia do que estava falando. E exatamente porque os oprimidos não lutam pra serem, também nas palavras de Paulo Freire, "restauradores da humanidade em ambos" (oprimidos e opressores), o movimento que usa os escritos de Karl Marx e, no Brasil, de Paulo Freire transformou a teoria de uma eutopia em, na melhor das hipóteses, governos da velha situação opressora que oferecem assistência social para fracassados inescrupulosos e trampolins sociais para medíocres invejosos. Mas ao contrário do que pregam os conservadores, o sucesso de versões degeneradas do Marxismo nas igrejas cristãs e em países de grande maioria cristã não é surpreendente, pelos motivos que eu expliquei há pouco. Inclusive é daí que vem o Cristo irmão dos pobres, das mulheres e, recentemente, dos LGBT. Mais do que isso, o próprio sucesso da penetração dos movimentos esquerdistas nas igrejas cristãs históricas não seria um dado real como alguns conservadores denunciam se o Cristianismo e o esquerdismo fossem incompatíveis, na essência ou mesmo na aparência. E já aqui nós temos a refutação do discurso de que a demonstração da fé cristã é associável, de forma positiva, à grandeza moral e a uma conduta ética exemplar.

Ah, e, talvez você tenha notado, tudo isso tem relação com a exaltação da família. Porque é o ambiente onde aquelas pessoas pobres de espírito e socialmente mal sucedidas, especialmente as mulheres sem atrativos físicos, podem extravasar o que são. Por sinal, voltando a Paulo Freire, nós podemos ver "um dos pólos da contradição pretendendo não a libertação, mas a identificação com o seu contrário" quando vemos qualquer mulher "loser" fisicamente repulsiva de um bairro horroroso tratando sua casa como se fosse uma pequena empresa sua, ou como ela pensa que é a casa do ex-patrão. E voltamos ao caso de Lula e Dilma no Brasil quando vemos que essa mulher vota, mesmo para cargos federais, em termos do que ela pensa que vai poder comprar no supermercado, que vai ter de facilidade na iniciativa privada ou no serviço público para os filhos semianalfabetos, que vai ter de infraestrutura urbana no seu bairro e coisas do nível.

Pessoas assim são o perfil mais provável da mãe de uma pessoa aleatória do povo, especialmente uma pessoa que nunca terá grande status socioeconômico. A educação moral já começa mal na referência da infância.

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