O problema dos progressistas em geral e do LGBT-feministas em particular não é ter ideais bonitos de fazer um mundo melhor que não se parece com o atual, é, pelo menos de uns 20 anos pra cá, acreditar tanto no próprio discurso que não apenas o mundo real não importa, também não incomoda que o resultado das ações e das atitudes reais da militância real seja muito diferente do discurso. A falta de integridade moral e mental nas lideranças dos movimentos progressistas que usam palavras bonitas não é um mistério. Eles conseguem uma boa renda ou até poder tanto com o discurso quanto com o trabalho que fazem. A falta de integridade moral e mental da maioria dos militantes e simpatizantes não tão bem sucedidos na militância também não é um mistério. Essas pessoas sonham em ser como aquelas. O que parece misterioso é que uma pessoa tenha o mesmo discurso e além de não parecer inteligente, também não parece ser um dos militantes vigaristas. É isso que eu vou abordar aqui.
De alguma forma, a pessoa "comum" que repete as falas da militância de extrema-esquerda chegou àquela mesma falta de integridade moral e mental. Essa pessoa vê brancos e negros denunciando o racismo (dos brancos contra as outras etnias), homens e mulheres denunciando o machismo, heterossexuais e homossexuais denunciando a homofobia, lésbicas repulsivas dizendo que sofrem assédio sexual; todos eles falando nos maiores veículos de comunicação, dentro das maiores empresas privadas ou dentro do alto escalão do serviço público do mesmo país ao qual se referem. Nós temos nome, endereço, página na internet e bagunças da Marcha das Vadias, do Black Lives Matter, do bloco carnavalesco Sai Hétero ou de grupos do "feminismo gordo". Mas onde está, por exemplo, um grupo a favor dos padrões machistas de beleza, algo como "Mulher Loura é Linda"? Aqueles não-militantes não se dão conta disso, e essas pessoas que parecem normais e não-esquerdistas são as que sustentam as partes loucas do movimento esquerdista, pelo menos por levá-las a sério.
A militância socialista boa juntou gente de bom caráter e de inteligência fabulosa com ambição de reconstruir a sociedade (para melhor). Eles podem dizer, mesmo que errem, que a velha ordem é A mais C e o mundo ideal é B mais C, que a velha ordem é A por causa de D e, se destruirmos D e colocarmos E no lugar, teremos uma sociedade B; então, deixamos F que faz a sociedade C e teremos um mundo feliz com E mais F. O pior do raciocínio desses socialistas é o melhor do raciocínio dos outros socialistas. A militância socialista medíocre e a má juntaram sociopatas, escroques, vagabundos e débeis mentais para a guerra contra o caráter, a inteligência e a realidade. Daí, um movimento sociopolítico que diz representar as mulheres se permite incluir a expressão de características pessoais doentias, como a pregação contra a pornografia de Andrea Dworkin que é a inveja que uma lésbica gorda monstruosa tem de mulheres bonitas e pessoas com vida sexual decente; ou o lesbianismo de uma doente psiquiátrica como Valerie Solanas. Isso só é possível em um movimento que prega um mundo melhor quando a falta de integridade mental é a regra em vez de exceção. Dessa regra, escândalos de corrupção administrativa ou de entrada e saída de recursos ilícitos dentro de um grupo militante são consequências, assim como atrocidades político-administrativas, policiais e jurídicas quando o grupo chega ao poder político formal.
Vou dar um exemplo disso que aconteceu este ano. Mas antes, uma coisa que você precisa ter em mente até para entender por que eu escrevi esses parágrafos todos: a heterossexualidade masculina mais o trabalho honesto e a paciência do homem típico sustentaram as sociedades humanas que já existiram e deram a própria sobrevivência à espécie humana. Mesmo que as "melhores" mulheres tenham sido esposas, concubinas ou "acompanhantes" dos bandidos e dos ricaços, os homens comuns estavam lá trabalhando honestamente, e até davam graças a Deus (literalmente) pelos restos que recebiam do universo feminino. Não digo resto no sentido de mulher feia, mulher "velha" ou mulher que já "foi de outro homem"; é no sentido de que, na melhor das hipóteses, o presente de Deus é uma mulher religiosa, que se casou virgem, de inteligência mediana pra alta (acreditar em Deus e na castidade já tira uns pontos do QI) e que apesar de inspirar "bons pensamentos" nos homens, não tem a capacidade para gostar de sexo decente.
Vamos lá. Capa da revista Veja de 10 de janeiro de 2018: "O novo código de conduta entre os sexos". "Na era da intolerância ao assédio e da crescente afirmação feminina, a convivência entre homem e mulher está passando por uma mudança radical." Os mesmos homens (mulheres também, mas vou destacar os homens) que acham desprezível dizer que uma mulher foi estuprada porque teve alguma atitude não-conservadora, como usar roupa curta, acham razoável dizer que se um homem ganha uma acusação falsa de assédio sexual e foi comprovado que ele era mesmo inocente, foi ele que errou, porque ele não deixou a porta da própria sala aberta quando estava conversando com uma mulher, ou porque ele deu carona para ela sem ninguém mais no carro, ou porque ele mandou uma mensagem pra ela que era uma coisa e podia ser entendida de outra. Os mesmos homens que dizem que uma mulher não deve se submeter ao machismo da sociedade também dizem, e isso está na matéria, que um homem é o único responsável e culpado não só pelo que ele faz, mas pelo que qualquer idiota, vadia enrustida ou lésbica disse ou pensa que ele fez. Claro, os autores da matéria dizem que uma queixa de assédio sexual no Departamento de Recursos Humanos (queixa de mulher contra homem) pode ser má interpretação. Isso porque já tivemos reportagens na imprensa nacional e internacional sobre casos de falsas denúncias de estupro ou assédio sexual que destruíram as vidas de homens inocentes, e isso não é coisa de 5 anos pra cá. Neste caso, o que fazer para evitar um denuncismo que beira a palhaçada, de acordo com a matéria? Vamos deixar qualquer mulher dizer qualquer coisa sobre qualquer homem e f...-se, quando alguns desses homens provar que é inocente, vamos fazer o mínimo possível de comentários e de justiça.
A matéria cita uma lesbofeminista estadunidense, tipo com 90% de concordância:
A colunista americana Anne Victoria Clark, por exemplo, propôs um "método" para ajudar homens em dúvida quanto à própria conduta a evitar acusações de assédio. "Façam de conta que todas as mulheres são o Dwayne Johnson", provocou, citando o ator americano conhecido como "The Rock" (A Rocha) por ser uma montanha de músculos. O método funciona mais ou menos assim: está em dúvida se coloca a mão na perna da estagiária enquanto conversam sobre uma promoção? Finja que ela é The Rock e decida. Na ironia de Anne, a resposta oferece uma diretriz infalível para guiar a conduta masculina.
O que eu chamo a atenção nesse trecho é que nós não temos dimorfismo sexual pra isso. Eu me incomodo com os meus colegas de trabalho e alguns clientes conversando comigo e batendo o olho nos meus melões? Não. Eles se incomodam um quando me vê olhando pros braços dele, outro pro peito dele, outro pra bunda dele? Não. Tá bom, nem todos. E se eu usasse uma roupa no trabalho que dá pra ver a minha bunda avantajada e um cliente ou, por exemplo, um carteiro visse? Qual o problema se o meu corpo for gostoso para um homem olhar, se ele for um homem legal? Qual o sentido em eu ser uma mulher gostosa e um homem não poder ou ter medo de me dizer que eu sou gostosa? E se ele gostar de olhar e quiser "mais"? Eu já transei com clientes, e com colegas de trabalho também, nem sempre no local de trabalho. E já não bastava existirem empresas que proibem namoro entre funcionários? Isso é uma coisa que já me chamou a atenção para escrever em abril de 2013 "Você deve respeitar ou admirar uma mulher quando ela tenta se parecer com os homens, mas está rebaixando essa mulher quando a olha como mulher, ou ela desmoraliza a si e às mulheres quando se parece com uma mulher". Pessoal, esse foi o título do texto, agora a citação: "Engraçado que quando uma loura peituda corpo violão entra na sua empresa como técnica de informática, na hora de ela ser técnica de informática você homem tem que olhar para ela como uma mulher numa profissão em que quase todos são homens; na hora de ela ser sua colega, de conversar no cafezinho, você não pode nem olhar para ela".
Mas se você leu na matéria da Veja "as novas condutas pautadas pelo feminismo" (a matéria diz isso) e pensou "isso vai dar m...", você se enganou: já deu. Em 1º de outubro de 2015, dois anos e três meses antes, o Martin Daubney já tinha publicado no Telegraph o artigo "Bom trabalho, feminismo. Agora, os homens têm medo de ajudar as mulheres no trabalho". Primeiro parágrafo: "Um novo livro alega que os trabalhadores de escritório do sexo masculino estão agora com tanto medo de serem vítimas de um processo de assédio sexual que eles relutam em mentorear, ajudar, fazer amizade e até mesmo manter as portas abertas para colegas do sexo feminino". Sabe o que eu acho? Eu acho é pouco. Já não é raridade no Brasil querer trazer para cá o que deu errado no exterior décadas antes. Mas isso é um caso do esquerdismo mediano, o da pessoa comum com ideias progressistas: a pessoa não consegue ver não apenas a porcaria que as ideias que ela defende vão causar se forem colocadas em prática, também não conhece a que já causaram quando foram. Antigamente, até os esquerdistas mais sórdidos com projetos de revolução sociocultural sabiam como era a realidade, como chegar da ordem velha à ordem nova e como a sociedade seria enquanto não é nem uma coisa nem a outra. Os esquerdistas de hoje em geral são como diz aquela piada sobre os economistas, vão descobrir amanhã por que o que eles previram ontem não aconteceu hoje.
Apêndices
"Não, senhores, não pode mais", Veja, 05 de janeiro de 2018. Disponível em https://veja.abril.com.br/revista-veja/nao-senhores-nao-pode-mais. |
Não, senhores, não pode mais
Denúncias de assédio sexual e as novas condutas pautadas pelo feminismo fazem empresas vetar caronas, beijinhos e outras interações entre homens e mulheres
Por Fernanda Bassette e João Pedroso de Campos
31 jan 2018, 15h26 - Publicado em 5 jan 2018, 06h00
Outros Tempos - Cena de 'Seduzidos pela Maldade', do inglês Basil Dearden, com Anne Heywood. O filme é de 1958 — claro (Alamy/Fotoarena) |
Um gerente chega ao escritório e, ao ser apresentado a uma nova funcionária, cumprimenta-a com um beijo no rosto. Na sequência, recebe a portas fechadas membros da sua equipe para avaliações individuais, incluindo a estagiária. Ao dar bom-dia à secretária, elogia o seu perfume. Mais tarde, aceita o convite para a happy hour da firma e oferece carona a uma subordinada. No fim do dia, agradece a uma funcionária no WhatsApp por uma tarefa bem executada e despede-se com "bjs". Se você, leitor, nem desconfia que pode haver algo de condenável nas atitudes do nosso gerente, esteja certo de que corre os mesmos riscos que ele. Hoje, pelas regras de muitas empresas, esse chefe hipotético teria batido um recorde de condutas inadequadas — e, a depender da visão de seus colegas e patrões, poderia ser um sério candidato ao título de assediador da turma.
Sim, os códigos de conduta entre os sexos estão passando por uma transformação radical, impulsionada pela explosão das denúncias de assédio e pela crescente afirmação feminina. E há gente confusa com isso — em particular, homens criados no tempo em que era aceitável virar a cabeça diante da passagem de um derrière feminino. Mas, ei, isso também não pode mais? Não, senhores, não pode. O mundo não apenas mudou — mudou rapidamente. Daí o fato de muitos homens reagirem com perplexidade aos olhares de repreensão provocados por algo que eles sempre fizeram e que ninguém antes lhes havia dito que não podiam fazer.
Disque-Denúncia – Na consultoria Crowe Horwath, a gerente de gestão de pessoas Rosana Marques (em pé) participou da implantação de um canal para queixas contra desvios morais: regras para evitar constrangimento (Paulo Vitale/VEJA) |
Como costuma acontecer em momentos de grandes e velozes transformações, as novas regras ainda não estão claras para todo mundo. O que "pode" e o que "não pode" se embaralham, a depender do ambiente e dos protagonistas da ação. Gestos como abrir a porta para uma mulher, por exemplo, uma manifestação de cavalheirismo para a maioria, já podem parecer ofensivos para algumas mulheres, que enxergam ali um galanteio indevido. Dessa forma, episódios de grosseria explícita e atitudes sem segundas intenções correm o risco de acabar entrando no mesmo índex, penalizando igualmente machistas irremediáveis e pobres exemplares do gênero masculino francamente boquiabertos com o mundo novo. Pelo sim, pelo não, muita gente — e um número crescente de empresas — tem preferido a prevenção.
"Almoço, só em grupo" – Sou bem mais precavido hoje do que era alguns anos atrás. Quando comecei a gerenciar uma equipe de treze vendedoras, vi que não haveria espaço para piadinhas, brincadeiras ou qualquer coisa que pudesse sugerir assédio. Passei a tomar o cuidado de não almoçar no refeitório na companhia de uma só vendedora, mas apenas em grupo. Quem está em cargo de chefia precisa agir assim. Em meu trabalho, as mulheres são a maioria. Então, não faço nenhum comentário que possa ter duplo sentido. Penso duas vezes antes de fazer uma crítica ou mesmo um pedido. Luiz Carlos Pulini, executivo de vendas de uma distribuidora de álcool em São Paulo (Paulo Vitale/VEJA) |
A rede de clínicas médicas populares dr.consulta, por exemplo, prepara para o primeiro trimestre deste ano a distribuição de uma cartilha a seus 1.000 funcionários em que proíbe, entre outras coisas, cumprimentos que incluam beijos e abraços. "Cada um tem o seu limite. Então, é melhor evitar", justifica Anna Karla Ribeiro, diretora de gente e gestão da rede. Na GuardeAqui, líder no setor de boxes de armazenagem no país, as normas de convivência já vigoram há um ano. As proibições, nesse caso, abrangem coisas evidentes, como "solicitação de favores sexuais", "olhares maliciosos" e "exibição de fotos sexualmente sugestivas". Na rede dr.consulta, as novas regras de conduta incluirão um tipo de disque-denúncia destinado a acolher relatos de abuso tanto da parte de funcionários como dos 1.300 médicos credenciados. Empresas como a Crowe Horwath e a Intel do Brasil abriram um canal semelhante. A segunda recebe casos por e-mail e telefone — eventualmente, os episódios registrados são levados para a arbitragem do CEO. "Uma profissional se queixou de receber abraços em excesso de um colega. Falei com ele, e não aconteceu de novo", diz Maurício Ruiz, CEO da multinacional no Brasil.
"Deixo a porta da sala aberta" – Dou aulas de história há trinta anos. Ficar sozinho com alguém em uma prova ou tirando dúvidas até mais tarde sempre foi corriqueiro. Mas, com tantas reportagens sobre casos de assédio e depois de ouvir o relato de um episódio em ambiente educacional, comecei a sentir receio. Passei a tomar cuidados que nunca imaginei necessários para não dar margem a interpretações erradas. Hoje, deixo a porta da sala aberta ou procuro ter mais gente por perto em conversas individuais. E não chamo aluna para almoçar, a não ser que seja em turma. José Marcelo Bussab, professor de cursinhos e do ensino médio em São Paulo (Paulo Vitale/VEJA) |
Obviamente, nem todos os casos terminam assim tão bem. Por medo de pisarem em falso e prejudicarem sua carreira, muitos homens têm redobrado a vigilância. Para o executivo de vendas Luiz Carlos Pulini, a mudança começou quando ele passou a gerenciar uma equipe de treze vendedoras. Agora, no almoço, não aceita mais companhia individual. "É um cuidado para evitar falatórios." Fernando Martins, CEO da tecnológica AgroTools, está no grupo dos que logo esticam o braço para cumprimentar uma mulher. "Não dou beijo e só chamo alguém para almoçar se for para tratar de trabalho, com a conta paga pela empresa. Não faço elogios a roupa nova nem a perfume", conta. As caronas, antes inseridas no terreno da gentileza, agora derrapam em solo pantanoso. "Não basta sermos éticos, temos de parecer também. E, se a estagiária é promovida depois da carona, o que podem dizer?", avalia Wagner Giovanini, diretor da consultoria Compliance Total.
A era pós-Weinstein – A atriz Gwyneth Paltrow, que acusou o produtor Harvey Weinstein por assédio cometido há duas décadas, e as "rompedoras de silêncio", eleitas as "pessoas do ano" na revista Time por terem trazido casos à tona: o mundo nunca mais será o mesmo (Jamie McCarthy/FilmMagic/Getty Images) |
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 88% das ações de assédio sexual em 2016 se deram na esfera trabalhista. O assédio, evidentemente, pertence a uma categoria bem diferente da que abrange carona e beijo no rosto. No país, o assédio é crime previsto no Código Penal desde 2001. Incorre nele todo indivíduo que tentar obter "vantagem carnal" usando a condição de superior hierárquico ou lançando mão de sua ascendência sobre alguém. O problema está em definir com clareza a linha tênue que separa a saudável gentileza entre os sexos do momento em que começa a brutalidade do assédio. No Brasil, os processos por assédio sexual aumentaram 200% num período de três anos.
– (Arte/VEJA) |
A pedido de VEJA, a consultoria Kurier Analytics fez um levantamento inédito na base de dados do Conselho Nacional de Justiça. Em 2013, houve 1.530 novas ações de assédio em primeira instância. Em 2016, o número chegou a 4.450. Pelo andar da carruagem, no fim de 2017 pode ter quintuplicado (veja o quadro ao lado). Ainda que isso ocorra, os números permanecerão aquém da realidade. Se atrizes com salário de sete dígitos como Gwyneth Paltrow levaram anos para trazer à tona os abusos perpetrados por um homem com o poder de estender-lhes o tapete vermelho ou puxá-lo de seus pés para sempre, quantas assalariadas estão dispostas a pagar o alto preço de quebrar o silêncio? O caso de Harvey Weinstein — o poderoso produtor de cinema acusado em outubro de assediar nove entre dez estrelas de Hollywood, Paltrow incluída — desencadeou um rastro de denúncias de assédio mundo afora — e chegou ao Brasil. É bom que o assédio esteja sendo cada vez mais policiado e denunciado. O dado nebuloso é como tudo isso vem afetando, de modo mais amplo, as relações entre os gêneros. O Brasil, nessa história, corre o risco de estar importando certas concepções culturais dos Estados Unidos, um país cuja moral sexual é distinta da brasileira. Entre os americanos, há uma tradição puritana que nunca chegou a ser expressão majoritária por aqui. Lá, por exemplo, o beijo de cumprimento e o contato físico em geral não têm a mesma aceitação que no Brasil.
Com o alerta amarelo da acusação constantemente aceso, também aumentam os riscos de injustiça e linchamento de "réus", pondera o sociólogo Francisco Bosco, autor do livro A Vítima Tem Sempre Razão?, editado pela Todavia. "As acusações têm misturado casos de evidente comportamento abusivo e outros em que, mesmo diante das inconsistências das denúncias, os homens são sumariamente considerados culpados pela opinião feminista." Para Bosco, não há dúvida de que "os homens devem mudar radicalmente sua conduta em interações heterossexuais". Mas há um equívoco no que ele chama de "convocações totalizantes" — a adesão automática de latinos a denúncias feitas por latinos; de negros a acusações oriundas de negros; de mulheres a relatos feitos por mulheres, tudo isso sem que se dê muita atenção a provas ou argumentos da defesa. "O princípio da empatia tende a fazer com que as pessoas valorizem aquelas mais parecidas com elas mesmas", afirma Bosco. Assim, os julgamentos morais podem se tornar muito próximos do preconceito, diz o sociólogo.
Pesquisas recentes nos Estados Unidos alertam sobre os efeitos deletérios de certos tipos de treinamento. Segundo estudo da socióloga Justine Tinkler, da Universidade da Geórgia, reforçar os estereótipos de machos poderosos e fêmeas vulneráveis acaba minando a confiança delas para ocupar espaços na hierarquia empresarial — em outras palavras, isso ameaça lançar pelo ralo o que vem sendo conquistado a duras penas nas últimas décadas pelas mulheres.
O sociólogo Michael Kimmel, professor de estudos de gênero da Universidade Stony Brook, no Estado de Nova York, considera que há uma dose de cara de pau nesse debate. "Homens mais velhos podem até ficar confusos quanto às novas condutas, mas, no que se refere aos jovens, eles dizerem que não entendem o que está mudando é uma desculpa patética", afirma. "Além disso, não é preciso que as regras tenham mudado para dizer que tocar os seios de uma mulher é inadequado. Sempre foi."
Em linha com Kimmel, ativistas feministas têm vindo a público para criticar o que seria o "falso coitadismo" dos homens confrontados com o novo feminismo. A colunista americana Anne Victoria Clark, por exemplo, propôs um "método" para ajudar homens em dúvida quanto à própria conduta a evitar acusações de assédio. "Façam de conta que todas as mulheres são o Dwayne Johnson", provocou, citando o ator americano conhecido como "The Rock" (A Rocha) por ser uma montanha de músculos. O método funciona mais ou menos assim: está em dúvida se coloca a mão na perna da estagiária enquanto conversam sobre uma promoção? Finja que ela é The Rock e decida. Na ironia de Anne, a resposta oferece uma diretriz infalível para guiar a conduta masculina.
Não consta que a colunista tenha perguntado se todas as mulheres gostariam de ser tratadas como Dwayne Johnson. Mas isso talvez seja conversa para daqui a alguns anos, quando os ânimos estiverem serenados, os exageros aparados e o respeito entre os gêneros não depender de consulta a cartilhas. O certo é que as novas regras de convivência entre homem e mulher não podem confundir assédio, que é um crime intolerável, com a gentileza e mesmo com o jogo saudável da sedução, que é da natureza humana. Do contrário, como na piada de Luis Fernando Verissimo, será melhor entrar para uma ordem religiosa oriental, que substitui o sexo pela contemplação da alcachofra.
BEIJINHO, BEIJINHO? TCHAU, TCHAU
Alguns dos gestos cotidianos já estão banidos de empresas brasileiras
Falar "pegando"
Aquele colega que costuma encostar no interlocutor durante a falajá incomodava. Agora, em algumas empresas, o gesto tornou-se oficialmente inadequado. No treinamento antiassédio da Intel no Brasil, um vídeo mostra um homem tocando o ombro de mulheres. Em seguida, uma placa indica: "Pare!". Se o contato avança para seios e nádegas, o problema passa a ser coma Justiça — casos de mulheres tocadas dessa forma terminaram, nos últimos anos,em indenizações de até 50 000 reais às vítimas.
Cumprimentar com beijinhos
O manual de conduta de alguns escritórios começa a banir a saudação, tão comum no Brasil. Em elaboração, o código da redede clínicas médicas dr.consulta deve incluir um aviso contra abraços e beijinhos no rosto. "É melhor evitar o toque, pois nunca se sabe qual é o limite da outra pessoa", diz a gerente de gente e gestão, Anna Karla Ribeiro.
Piadas e palavrões
Empresas como a farmacêutica Bayer e a armazenadora GuardeAqui coíbem piadas maliciosas e linguagem sexualmente explícita. O comportamento será considerado pior, é claro, se fizer referência a uma funcionária específica. Um caso recente na Justiça do Rio Grande do Norte resultou em indenização de 6 700 reais por dano moral a uma profissional por "comentários com conotação sexual do superior hierárquico".
Elogios a roupas, perfume e forma física
Para o advogado trabalhista Denis Sarak, elogios a roupas ou ao perfume de mulheres no ambiente de trabalho não são considerados assédio se não há "conotação ofensiva". Mas como ter certeza desse limite?Algumas empresas e organizações orientam a equipe a evitar esse tipo de comentário. "Pode ser entendido de outra forma e causar problemas", diz o superintendente do Sesi José Antonio Fares.
Dar carona a colegas
Empresas com códigos mais detalhados têm aconselhado carona entre colaboradores apenas quando mais de duas pessoas embarcarem. Já para o sociólogo americano Michael Kimmel, deixar de transportar uma colega por medo de consequências é uma reação "desonesta" dos homens. "Não há nada de problemático em ser gentil com alguém do trabalho, desde que você não pense que isso lhe dá o direito de fazer alguma coisa."
Reuniões a portas fechadas
"Por que isso seria um problema?", indaga Michael Kimmel, para quem a situação, por si só, dificilmente deve ser interpretada como assédio. No entanto, em algumas organizações, entre elas o Sesi, há orientações para que professores não fiquem sozinhos com um único aluno na sala de aula a portas fechadas.
Mandar "beijo" no final de e-mails e mensagens
Não há notícia de que isso tenha acabado em processo, mas, por receio de que a atitude seja interpretada como tentativa de ampliar a intimidade, muitos profissionais têm preferido o "abraço" ou simplesmente o "obrigado".
Com reportagem de Françoise Terzian e Leonardo Lellis
"Well done, feminism. Now men are afraid to help women at work", Telegraph, 01 de outubro de 2015. Disponível em https://www.telegraph.co.uk/men/relationships/11904203/Well-done-feminism.-Now-man-are-afraid-to-help-women-at-work.html. |
Bom trabalho, feminismo. Agora, os homens têm medo de ajudar as mulheres no trabalho
As notícias de que os homens têm muito medo de uma viagem ao RH por ajudar as colegas do sexo feminino é a prova final de que o projeto de igualdade de gênero foi um tiro que saiu pela culatra, escreve Martin Daubney
Os homens estão muito paranóicos quanto às alegações de assédio sexual para dar uma ajuda no local de trabalho |
Por Martin Daubney
13:14 BST 01 de outubro de 2015
Um novo livro alega que os trabalhadores de escritório do sexo masculino estão agora com tanto medo de serem vítimas de um processo de assédio sexual que eles relutam em mentorear, ajudar, fazer amizade e até mesmo manter as portas abertas para colegas do sexo feminino.
De forma esmagadora, Sexo & O Escritório sugere que os homens agora encaram comportamentos tão comuns e decentes como "muito arriscados" - e, no que será uma amarga ironia para os militantes da igualdade, afirma que, como consequência direta, as mulheres agora não conseguem progredir no trabalho.
Este terror de ser acusado de assédio sexual é agora tão comum que tem o seu próprio termo, "stress de reação". Isso soa como algo direto de um anúncio do Claims Direct - em que as únicas vítimas são homens. [nota da tradutora: Claims Direct é um serviço de advocacia do Reino Unido especializado em danos físicos pessoais, www.claimsdirect.co.uk]
A autora do livro, Kim Elsesser, pesquisadora da Universidade da Califórnia, argumenta que uma "divisão sexual" surgiu, o que impede as mulheres de construir a rede vital de contatos tanto dentro do local de trabalho quanto socialmente.
E a autora deve conhecer sobre ambientes de trabalho difíceis: ela é uma ex-comerciante de ações da Morgan Stanley.
De forma surpreendente, Elsesser acrescenta que as próprias empresas estão contribuindo para essa bagunça, já que agora estão tão aterrorizadas com ações legais que enviam pessoal em cursos de treinamento de assédio sexual, e têm o dever de acompanhar qualquer alegação, por menor que seja.
Lamentavelmente, Elsesser cita exemplos de homens que foram arrastados por seus departamentos de Recursos Humanos simplesmente por abrir uma porta para uma colega ou elogiá-la por um novo terno. "Histórias como estas se espalham pelos locais de trabalho, incutindo o medo de que comentários inocentes sejam mal interpretados", diz ela.
Sem m***a, Sherlock!
Apenas sendo amigável? Charlie Day e Jennifer Aniston em Horrible Bosses (chefes horríveis) |
É claro que, apesar do fato de que são os homens que estão recebendo a parte mais difícil do abacaxi aqui, isso está tudo sendo pintado como Oficialmente Mau para as Mulheres, já que elas não estão conseguindo seguir em frente.
Mas como os homens deviam reagir quando somos informados de que, apesar de décadas de nos ser dito que as mulheres não precisam ou nem mesmo querem ajuda de homens, agora elas estão ficando para trás porque nós não as estamos ajudando?
Uma frase envolvendo "fazer o bolo e comê-lo" vem à mente - embora não a repita no trabalho, já que você provavelmente será promovido ao RH por "fat shaming" (envergonhar gordas).
O livro de Elsesser ecoa um artigo perspicaz do New York Post do início deste ano chamado "Homens poderosos agora se escondem atrás de portas abertas".
A escritora, Naomi Schaffer Riley, pinta um quadro deprimentemente familiar de professores universitários que nem fecham as portas da sala quando estão sozinhos com uma aluna.
Seria fácil descartar isso como ainda mais loucura no campus, mas Riley afirma que essa podridão vai para o topo da sociedade americana. E quanto tempo antes de começarmos a sentir as ondas cruzarem a Lagoa?
Riley cita uma pesquisa do US National Journal, onde um assessor do Congresso disse: "Várias assessoras foram impedidas de contratar seus chefes masculinos em eventos noturnos, dirigir sozinhas com seu congressista ou senador, ou mesmo se sentar cara-a-cara em seu escritório por medo de que os outros tenham a impressão errada."
Em uma cultura feliz com ações judiciais, em que alegações podem aparentemente ser feitas com base em "ele disse / ela disse", os homens agora estão tentando garantir que suas ações sejam sempre cobertas por um testemunho de terceiros. Cada vez mais, eles querem ter certeza de que as paredes tenham ouvidos - apenas no caso de algo "inapropriado" ser dito.
Segurar uma porta aberta pode ter consequências drásticas... Foto: Alamy |
Que triste. E, honestamente, quem tem a menor ideia de onde o "inapropriado" mesmo começa hoje em dia? Segurar uma porta aberta? Dizer "vestido bonito?" Sorrir? Fazer contato visual?
Continuando dessa forma, estamos nutrindo e paparicando a vitimização e isso está tendo impactos profundos. No mês passado, na Grã-Bretanha, a advogada "feminista destemida" Charlotte Proudman envergonhou publicamente Alexander Carter-Silk, de 57 anos, um advogado sênior, por elogiar sua "deslumbrante" foto de perfil do LinkedIn - então alegou que foi a carreira dela que foi "arruinada".
Em meio a essa poluição venenosa de desconfiança mútua e, cada vez mais, desprezo, há alguma surpresa de que os homens estejam ficando com medo das colegas de trabalho do sexo feminino?
Acima de tudo, Sexo & O Escritório é prova, se é que era necessária alguma, de que O Grande Projeto da Igualdade no Trabalho tem dado um tiro pela culatra espetacular. Quem, precisamente, vence se os homens estão com medo de processos judiciais e as mulheres estão ficando para trás como consequência?
Nesse ambiente tóxico e paranoico, as mulheres nunca serão confiáveis como conselheiras. Elas serão congeladas fora das redes - ou, cada vez mais, criarão suas próprias redes somente para mulheres, que na superfície prometem avanço mas, no fundo, aumentarão o separatismo de gênero. Os locais de trabalho de pessoas do mesmo sexo dos anos 1940 seriam mais seguros para todos?
Esta é a cama que o feminismo da Terceira Onda fez. Agora todos nós temos que nos deitar nela: bem acordados, corações acelerados, olhos bem abertos, esperando os advogados virem martelando em nossas portas.
Esse é o nosso futuro coletivo - alguém chamou "Medo e Repugnância nos Recursos Humanos?" Como nós podemos acabar com esse pesadelo?
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