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segunda-feira, 23 de abril de 2007

A criminalização do sexo

Abigail Pereira Aranha
Já reparou que parece que sexo é crime?
Os homens e algumas mulheres só se casam por causa do sexo e as mulheres sabem disso, mas todo mundo finge que não. O menor de 18 anos nem pode ver ou ouvir falar daquelas coisas (apesar de que antigamente a mulher se casava na adolescência). Houve um tempo em que uma mulher só ficava sabendo alguma coisa sobre sexo depois de casada. E nesse tempo, mesmo um casal não conhecia o corpo um do outro.
O sexo, supostamente de tão sujo, mal pode ser mencionado. Não podemos falar "daquilo" com qualquer pessoa, especialmente se for mulher. Se você quiser acessar pornografia, deve ser maior de 18 anos. Mesmo assim, não é bom ser visto acessando em uma lan house ou uma sala de informática. Se você estiver no local de trabalho, seu emprego está em risco. Se você estiver em casa, dá um problema em família. Há um filtro de internet em alguns países, como a Arábia Saudita, que faz esse acesso nem ser possível. Uma "zona", uma boate ou uma casa que tenha prostitutas geralmente precisa ser em um lugar "discreto". Quantas jovens foram expulsas de casa no passado por engravidarem ou simplesmente perderem a virgindade sem casamento? Quantas moças tiveram aborrecimentos e sofreram represálias depois de um conhecido vê-las em uma revista, uma página ou um filme pornográfico? Uma mulher ganha olhada torta simplesmente por não parecer sexualmente reprimida, mesmo que não tenha uma vida sexual muito ativa. Até pouco tempo, o adultério também era crime.
E por que o estuprador é odiado até entre os presidiários? O estuprador, mesmo sendo um monstro despolitizado e sem ideologia formada, se volta contra o princípio "se quiser, só no casamento". Mesmo que os que cometem o estupro não devam ser apoiados, a ação contra eles tem por trás uma repressão contra uma espécie de crime contra a propriedade. Não é só a propriedade da mulher vítima sobre o próprio corpo, aquele corpo é, de certa forma, patrimônio da família também, mesmo no Brasil de hoje em que a mulher não tem problemas de conseguir casamento por não ser virgem. E o estuprador nem precisa ser pego pela polícia, ele pode ser linchado por qualquer grupo de cem pessoas que esteja por perto. Isso não é só para reparar uma agressão, é para garantir a todas as mulheres que o sexo será feito pelos critérios delas mesmas ou da família, com desprezo à heterossexualidade masculina. Então, a oferta do sexo quase desaparece e a maioria dos corpos femininos alcança o preço de um casamento ou de um "caso", sendo oferecidos pelas mulheres de forma um pouco menos grotesca do que uma droga a um viciado.
Você já deve ter visto ou ouvido falar de uma campanha pela legalização da prostituição. Quem é contra e quem é a favor tem cada um os seus erros, mas por trás desse assunto tem o assunto do sexo. A prostituição é ilegal em muitos países. Mas olha só, não é só questão de religião. Um dos países onde a prostituição rende prisão tanto para a prostituta quanto para o cliente é o cristão capitalista Estados Unidos. Outro é a atéia comunista China. Os argumentos contra a prostituição se dividem em duas partes: hipocrisia de humanidade e provincianismo cristão. Mas da parte da verdadeira preocupação com a dignidade e o bem-estar da prostituta, é justamente a legalização da prostituição que protegeria a prostituta. Mas os "bons costumes" fazem uma sociedade fazer da prostituta o seu boneco de judas, uma representação física da sexualidade que os homens não querem ou não podem admitir perante a sociedade e que as mulheres não aceitam em seus esposos. Quem é contra legalizar a prostituição não está preocupado com rede de prostituição, a dignidade das prostitutas, etc. Quem é contra a pornografia não está preocupado com AIDS, indústria do sexo, etc. Aliás, já houve um tempo em que os crimes sexuais eram divididos em contra "mulher honesta" e contra "mulher pública", os últimos punidos com penas mais leves.
Ah, e mesmo que fosse verdade que a prostituição e a pornografia são sempre ligadas ao crime organizado, isso levaria a outros problemas. 1) O que impede uma prostituição ou uma pornografia não-criminosa, além de uma lei que torna essas atividades criminosas sem nenhuma justificativa razoável? 2) Por que um homem querer ver um corpo feminino decente ou fazer um sexo decente deve ser caso de polícia? 3) O crime organizado é uma organização que, por definição, consegue eliminar pistas dos crimes, interagir com o poder constituído e, por isso mesmo, ganhar muito dinheiro, certo? 4) Quando se criminaliza ou se pune com mais rigor uma coisa já explorada pelo crime organizado, o que a polícia faz além de pegar pequenos criminosos e infernizar gente honesta? 5) Vamos derrotar o crime organizado só legalizando a inveja destrutiva da beleza de outras mulheres e do orgasmo alheio?
O sexo não-reprodutivo, sem coerção jurídica e agradável ainda é inaceitável para a maioria das pessoas. Vamos nos lembrar de que termos como "fuder", "prostituição", "orgia" e "putaria" são palavrões e ofensas com significados genéricos ("prostituição doutrinária", por exemplo).
Observe que a anti-sexualidade é "pureza"; a mulher que se porta como dessexualizada é "honesta", "direita", entre outros adjetivos; o homem que se porta como dessexualizado é "sério", "puro"; um hotel que não permite encontros sexuais é "familiar"; uma literatura com sugestão de sexo deixa de ser "sadia"; e assim por diante. E nisso, não há cristão ou muçulmano, capitalista ou comunista, machista ou feminista, ocidente ou oriente. Ou melhor, há todos. Mas por que tudo isso? Há alguma razão plausível que faça da sexualidade um mal, uma falha de caráter, mais indesejável que a ganância ou a desonestidade? Nada.

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