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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dois belos textos da coluna de Regis Tadeu

O artista, muitas vezes, é apenas um babaca


Quando você vê o seu ídolo no palco, esplendorosamente iluminando e detonando um som bacana, não consegue imaginar que aquela figura carismática e talentosa pode ser um dos seres humanos mais intragáveis da face da Terra. E esteja certo disto: ele pode ser, sim. E muito.

Durante muitos anos, fui editor e chefe de Redação de uma das revistas mais conceituadas dentro do cenário editorial/musical brasileiro, a Cover Guitarra, uma publicação voltada completamente ao universo do guitarrista nacional. Foi por conta deste trabalho – do qual me orgulho muito, já que contribuímos de maneira modesta e incansável para criar uma geração de novos instrumentistas aqui no Brasil – que tomei contato e me aprofundei dentro do universo dos bastidores do meio artístico. Ao entrevistar e conviver com músicos, produtores, assessorias de imprensa, gravadoras e tudo o que envolve este meio, verifiquei que nem sempre aquilo que a gente vê em cima do palco é a realidade que está por trás dos artistas, que, como todos nós, são seres humanos e repletos de virtudes e, principalmente, de defeitos.

De lá para cá, tenho presenciado momentos tão constrangedores, ridículos, revoltantes e “sem noção” de tantos artistas que este espaço não seria suficiente para contar tudo em detalhes. Mas resolvi contar aqui uma das histórias mais inacreditáveis a respeito disto usando como exemplo um único artista: o guitarrista sueco Yngwie Malmsteen. O texto abaixo foi publicado anos atrás na revista que eu editava – mais precisamente em 2001 -, poucas semanas depois de uma das vinda do cara ao Brasil, e criou uma enorme polêmica na época no meio “guitarrístico”, com leitores demonstrando incredulidade, revolta e até mesmo solidariedade em relação às atitudes do cara durante uma de suas passagens mais tumultuadas pelo Brasil.

Quando terminar de ler, tenha a certeza de uma coisa: atitudes como estas são muito mais freqüentes do que você pode imaginar…

Quem ainda não viu, está marcando bobeira: é altamente recomendável que você assista ao filme Spinal Tap. Para quem não sabe, este é o relato sensacionalmente ácido sobre a carreira de um fictício trio de heavy metal que mostra todo o ridículo da vida de seus integrantes, a rotina na estrada, bastidores etc.

Resolvi começar esta matéria dando o exemplo cinematográfico de algo que acontece realmente com inúmeros artistas e bandas com uma freqüência que chega a ser assustadora. Ser um rockstar, muitas vezes, significa ser um personagem patético dentro de uma realidade ainda mais patética, da qual muita gente não consegue sair.


Infelizmente, um dos mais talentosos guitarristas de todos os tempos acabou transformando-se em um “Spinal Tap ambulante”, de carne, banha e ossos. Ninguém melhor – ou pior, se preferir – que Yngwie Malmsteen para personificar todos os estereótipos alienantes e megalomaníacos dos quais aprendemos a tirar sarro quando vistos em outros grandes astros do cancioneiro mundial.

Comparado ao guitarrista sueco, Axl Rose, por exemplo, não passa de um vendedor de apólices de seguro. Malmsteen é protagonista de histórias bizarras, como aquelas que falam de seu “saudável” costume de distribuir catarradas pelo chão de sua própria casa e de seus passeios pelos shopping centers de Miami – onde ele mora -, acompanhado de sua esposa e do filho, este vestindo uma roupinha de couro preto (!) e embalado em carrinho de bebê muito parecido com o Cupê Mal-Assombrado – quem assistia ao desenho A Corrida Maluca sabe do que estou dizendo.

Por ocasião de seu show em São Paulo, o roteiro de patetices começou logo cedo. Antes da chegada do rotundo guitarrista ao aeroporto de Cumbica, a equipe de produção dos shows brasileiros – que haviam sido adiados por conta dos problemas causados pelos terroristas malucos em Nova York em setembro – já esperava por alguma confusão na turnê. Ela tinha sido alertada pelo pessoal da banda Savatage e por Vander Taffo, que já havia lidado com Malmsteen durante um tumultuado workshop realizado há dois anos.

Estava previsto para este dia uma entrevista coletiva e algumas individuais (dentre as quais uma para mim). Às seis da manhã, o gigante sueco finalmente desembarcou em terras brasileiras, só que terrivelmente mal-humorado. Ele tinha viajado na classe executiva, o que, segundo ele, foi uma verdadeira ofensa para quem merece sempre poltronas de primeira classe. Para piorar, o cara tinha discutido com o comissário de bordo, que se negou a colocá-lo em uma poltrona próxima à cabine do piloto, como ele queria.

Malmsteen apareceu no saguão do aeroporto sem carregar qualquer bagagem de mão, bêbado e inchado como um baiacu, totalmente detonado. Ao ser informado de que teria de permanecer por lá até a chegada do restante da banda e dos 750 quilos de equipamentos, o guitarrista ficou ainda mais irritado.

Bebendo uma lata de cerveja atrás da outra, ele não acreditou quando viu que iria para o hotel a bordo de uma van alugada pela produção. “Onde está minha limusine?”, começou a gritar a plenos pulmões no saguão, chamando a atenção de todos que por ali passavam. Finalmente convencido a entrar no veículo depois da promessa de que iria sozinho nela, sem a presença da banda e dos roadies, Malmsteen percorreu todo o trajeto reclamando de tudo. Do calor, do ar-condicionado, do trânsito, da distância do aeroporto, da agenda de entrevistas e da música do Pearl Jam que tocava no rádio – ele se referiu aos dois guitarristas do grupo como “uns imbecis que nem sabem afinar o instrumento”. Isso tudo sem parar de beber latas e latas de cerveja…

Ao chegar ao hotel cinco estrelas reservado para ele e sua comitiva, o cara surtou. Aos gritos, xingou toda a equipe de produção do Brasil e os funcionários do hotel, alegando que merecia coisa melhor por se tratar de um verdadeiro rockstar. “Vocês pensam que sou alguém do Labyrynth ou do Rhapsody para me tratarem assim? Eu sou um astro, sou um rei! Sou como Mozart! Estou pouco me fodendo com a minha banda! Sou uma estrela e exijo ser tratado como tal”. Todo mundo ao redor ficou atônito e apavorado, incluindo sua produtora pessoal – que vim a saber depois que era a sua cunhada, uma tal de Denise Love – e a própria banda. Ordenou que todas as sessões de fotos e entrevistas – incluindo aquelas com os integrantes de seu grupo – fossem canceladas, chegando até a ameaçar pegar um táxi, retornar ao aeroporto e embarcar de volta para Miami. Isso sem falar na quase tentativa de agressão que um dos integrantes da produção sofreu por parte do guitarrista. Uma cena lamentável…

À tarde, em uma reunião com outros membros da produção brasileira, Malmsteen exigiu que as bandas inicialmente escaladas para a abertura dos shows – Santarém, em São Paulo, e Hybria, em Porto Alegre – fossem “limadas” da empreitada. Além disto, ordenou que os concertos começassem mais cedo, às 21 hs, e que providenciassem efeitos pirotécnicos, como fogos e explosões. Nada disto estava no contrato previamente assinado.

E as bizarrices não pararam por aí… Durante um jantar em uma tradicional churrascaria, Malmsteen voltou a manifestar uma inacreditável indignação na hora de servir-se do buffet de saladas. “Sou um cara que nasceu para ser servido. Me recuso terminantemente a ir até lá e servir a mim mesmo. Algum de vocês vai até lá e me traga alguma coisa interessante”. Ao mesmo tempo, a tal Denise Love (que raio de nome é esse?) já havia avisado a equipe brasileira que ninguém deveria, em hipótese alguma, aproximar-se dele para pedir autógrafos. “Ele detesta isso e chega até a ser muito grosso com a molecada”, recomendou. Enquanto isso, Malmsteen e seus amiguinhos se dedicavam à saudável atividade de arrotar em volumes estratosféricos dentro do recinto. Aquela coisa de quem foi “educado na Suíça”, sabe?

No dia seguinte, Malmsteen e seu “exército de Brancaleone” mambembe embarcaram para Porto Alegre. Lá chegando, o guitarrista, para variar, em pleno aeroporto, se envolveu em tremendo bate-boca com Carlos Oñono, um promotor colombiano que comprou todas as datas da turnê sul-americana e revendeu-as para diversos promotores de outros países, incluindo o Brasil. O motivo? Simplesmente porque o avião teve de fazer uma escala em Campinas (SP) e – novamente – pelo fato de a comissária de bordo não transferi-lo para uma poltrona mais adequada. Só que isto não foi nada comparado ao que viria a seguir…

Durante o show na capital gaúcha, Malmsteen, em determinado momento, começou a tocar “Star Spangled Banner”, o hino nacional americano, que acabou imortalizado na versão de Jimi Hendrix. Algumas pessoas na platéia começaram a gritar “Brasil! Brasil”. Até aí, nada demais. O caldo passou a entornar quando Malmsteen, inexplicavelmente, voltou inúmeras vezes a citar trechos do hino em outras músicas, o que levou as mesmas pessoas – não mais que uma dúzia delas – a gritarem “Bin Laden! Bin Laden!”. Tudo bem, nada poderia ser mais politicamente incorreto do que isso naquele momento, embora tal atitude possa ser explicada mais pelo jeito galhofeiro com que o brasileiro lida com as tragédias – quem não se lembra das piadas surgidas a respeito da morte de Ayrton Senna um dia depois do ocorrido? -, mas aquilo foi o suficiente para que Malmsteen, irritadíssimo, fosse ao microfone e mandasse a platéia inteira se foder.

O que se seguiu foi um grito uníssono vindo das 1.500 pessoas presentes ao Bar Opinião: “Bin Laden! Bin Laden!”. O show tinha ido por água abaixo…

Para piorar, o tecladista Derek Sherinian, o único americano da banda, colérico com tal atitude do público, resolveu colocar uma mensagem em seu site poucas horas depois, na madrugada, manifestando seu repúdio por tal situação. Ele escreveu que “não fazia a menor questão de voltar a tocar numa terra de Terceiro Mundo infestada de caipiras”.

No dia seguinte, o pânico era geral. Sherinian começou a receber e-mails de todas as partes do mundo, incluindo de alguns colegas músicos, criticando abertamente a mensagem por ele colocada em sua home page. Com o passar das horas, começaram a surgir boatos de que a notícia havia se espalhado como pólvora e que a banda encontraria no próximo show, em Curitiba, uma platéia mais hostil que o Taleban. Apavorado com a repercussão da coisa, Sherinian “arregou” e pediu que entrevistas coletivas fossem agendadas tanto em Curitiba quanto em São Paulo, para que ele se desculpasse publicamente pelo ocorrido, não sem antes comprar uma camisa da seleção brasileira, que usou nas apresentações subseqüentes, e um CD com o hino nacional do Brasil, que aprendeu a tocar e apresentou-o tanto em Curitiba como em São Paulo.

O show em Curitiba foi considerado como o melhor dos três que Malmsteen realizou no país, embora não livre de problemas. O guitarrista se atrasou em sua passagem de som e as portas do local foram abertas enquanto o sueco ainda estava envolvido na tarefa. Possesso, ele obrigou a produção a esvaziar totalmente o recinto – 200 pessoas já haviam adentrado o local -, causando um tremendo mal-estar, tanto no público quanto no pessoal da casa. Já a apresentação em São Paulo, antecedida por um festival de esporros e broncas nos roadies e na equipe técnica, foi considerada longa e cansativa, com Malmsteen reclamando muito nos camarins, após o “espetáculo”, da frieza da platéia, calculada em apenas 2.500 pessoas, bem longe dos quase seis mil presentes ao show do Helloween, por exemplo.

Bem, meus amigos, o saldo final dessa rocambolesca turnê não poderia ser diferente. Infelizmente, o outrora fabuloso guitarrista sueco é hoje um ser em total decadência – tanto física quanto mental – e sem um pingo do carisma de outrora. Bebe como um gambá, trata todos à sua volta como se fossem seus lacaios, passa longe de um chuveiro – durante sua estada no Brasil, não trocou de roupa uma única vez, optando pelo uso de uma água de colônia, cujo odor resultou em um coquetel de balas de menta, inseticida contra baratas e gases intestinais -, e é agressivo com quem aparece pela sua frente, incluindo seus próprios fãs, ainda responsáveis diretos pela manutenção de sua cambaleante e errática carreira. Seu último CD, o péssimo War to End All Wars, correu sério risco de não ser lançado pela quase total falta de interesse de inúmeras gravadoras contatadas.

Seu profissionalismo é quase zero e sua equipe é totalmente amadora – a cunhada é sua manager, seu sogro é o empresário, seu técnico de guitarra evita ser fotografado e não dá entrevistas se a conversa for gravada,. Nem o argumento de que rockstar é assim mesmo pode ser usado. Por experiência própria, afirmo categoricamente que caras como Slash, Mick Box (Uriah Heep), Brian May, Tony Iommi, Andy Timmons, Marty Friedman e Eddie Van Halen – só para citar alguns guitarristas – não apenas são artistas amabilíssimos e profissionais, como transmitem uma imensa alegria pelo que estão fazendo.

O intuito desse relato não é denegrir a imagem do grande guitarrista que Malmsteen foi. A intenção é mostrar, de forma franca e por vezes crua, o que acontece quando um cara considerado por muitos como um “gênio” perde a humildade, a capacidade de lidar com o mundo real e, principalmente, o carinho por seus fãs, esses verdadeiros abnegados que, a cada dia que passa, vão diminuindo em número, cansados de tanta mediocridade.

Regis Tadeu, Yahoo! Notícias, 04 de julho de 2011. Disponível em http://colunistas.yahoo.net/posts/12102.html

Contra a “bundamolização” da música brasileira!

Nesta altura do campeonato, eu e você já sabemos o que é A Banda Mais Bonita da Cidade e sua única música conhecida, “Oração”. Mas o que me deixou mais espantado foi como o vídeo desta canção (veja aqui) – na verdade, um plágio descarado do clipe de “There’s an Arc”, do sexteto canadense Hey Rosetta! (veja aqui) – conseguiu encantar tantas almas carentes. Talvez esta carência coletiva precise mesmo de um grupinho de amigos fofinhos, cantando dezenas de vezes uma mesma estrofe enquanto dão um rolê por uma casa que mais parece uma república de estudantes de alguma universidade no interior do Paraná, tudo como agente catalisador de uma pretensa “felicidade coletiva”, como se a vida fosse uma “festa de firma” universitária. Neste caso, o problema está justamente nas pessoas que deram crédito a esta pataquada.

Em uma época em que até o Ministério da Educação e Cultura imprime livros que incentivam erros de gramática, parece claro que, além de um processo de emburrecimento geral da população deste país, estamos assistindo também à “bundamolização” da música brasileira. Só isto explica coisas como Mallu Magalhães, Los Hermanos e outros grupos igualmente desafinados. Agora temos também A Banda Mais Bonita da Cidade e seu som zumbificante e plasticamente alegre, “cheirando a café quentinho e bolo de fubá”.

O que é mostrado no vídeo é, infelizmente, uma parte do retrato de uma grande parcela da juventude universitária brasileira. Uma outra parte, salvo raríssimas exceções, não passa de um bando de bebedores de cerveja quente e de meninas mais preocupadas em arrumar baladas para o final de semana. Duvida? Experimente passar perto de qualquer faculdade de uma metrópole como São Paulo e veja a quantidade de gente vagabundeando nos bares ao redor – em qualquer horário! E não adianta usar a desculpa de que “juventude é assim mesmo”. Não é e nem deveria ser.

Assistindo a este insuportável trambique, fiquei com a sensação de que o tal clipe também prega uma volta aos “bons tempos”, em que pseudohippies de boutique usavam sandália de couro e barbinha “fundo de piscina infantil” e tinham no violão – sempre desafinado – uma arma para levar para a cama meninas vestindo batas indianas e alpargatas com espelhinho. Deus me livre disto!

E como se não bastasse a música aparentar ter a duração de uma aula de Educação Moral e Cívica – quem tem mais de 40 anos de idade lembra o suplício que era assistir a este troço, empurrado goela abaixo de crianças inocentes por um governo militar inescrupuloso -, a canção tem uma letra absurdamente miserável, que sugere que seu autor tenha passado recentemente por uma lobotomia. Qual a outra explicação para “Meu amor essa é a última oração/pra salvar seu coração/coração não é tão simples quanto pensa/nele cabe o que não cabe na despensa/cabe o meu amor!/cabem três vidas inteiras/cabe uma penteadeira/cabe nós dois”? A chatice e a infindável sucessão de sorrisos artificiais aumentam ainda mais a panaquice reinante.

Até mesmo a tentativa de convencer as pessoas de que tudo foi filmado em um único plano é uma farsa. Na verdade, as pessoas não se importam mais em serem enganadas. E elas até pagam para isto – tem gente que saiu de casa na semana passada, em uma noite de frio, para assistir a um “show” em playback da 79ª encarnação embusteira do Village People, não é mesmo?

Ando desconfiado que o mundo acabou mesmo na semana passada. A gente é que ainda não se ligou disso…

Regis Tadeu, Yahoo! Notícias, 30 de maio de 2011. Disponível em http://colunistas.yahoo.net/posts/11323.html

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