Se o homem assedia ou estupra uma mulher, você pode matar? (Um pouco sobre Caetano Veloso, Flávio Morgenstern, Daniel Correia e um cinegrafista anônimo)

Abigail Pereira Aranha

Eu já ia comentar o caso da morte do jogador Daniel Correia quando eu vi um outro caso que vale a pena comentar. Vou dar uma visão rápida do caso do Daniel[1]:

De acordo com informações da RPC Curitiba, que teve acesso aos depoimentos de quatro testemunhas que estavam na casa da família Brittes, onde o crime aconteceu, uma deles disse ter ouvido o jogador pedindo para não morrer.

(...) Segundo os jovens, Edison saiu de casa por volta das 8h em busca de bebida; eles negaram ter ouvido gritos de socorro de Cristiana, que alegou tentativa de estupro por parte de Daniel; ainda, as testemunhas negaram que a porta do quarto da esposa do empresário estivesse arrombada.

Segundo o G1, uma das testemunhas disse que ouviu Edson falar que "isso é que acontece com mulher de bandido". Outra relatou que, enquanto Daniel era agredido, escutou Cristiana falar para Allana "não deixa seu pai fazer isso dentro da minha casa, você sabe como ele é".

Algumas testemunhas também afirmaram que foram procuradas por Edison Brittes após o crime, a fim de combinarem depoimento, alegando que Daniel estava bêbado e saiu da casa andando.

Entenda

Daniel Correia foi encontrado morto com sinais de tortura no último dia 27 de outubro em um matagal de São José dos Pinhais, no Paraná. O responsável pelo crime também cortou fora o pênis do atleta.

Em entrevista à RPC, afiliada da TV Globo no estado, o empresário Edison Brittes assumiu autoria do crime e declarou que, na ocasião, "não pensava em nada", "não sabia que ia fazer aquilo" e afirmou estar "desesperado, fora" de si.

Brites contou que o crime teria sido motivado após o jogador tentar estuprar sua esposa dentro do quarto da mesma. Para adentrar o recinto, ele precisou arrombar a porta.

No entanto, testemunhas desmentem o arrombamento e, segundo o delegado da Polícia Civil da cidade, Amadeu Trevisan, a vítima não tentou abusar sexualmente Cristiana.

"Confrontando as mensagens que Daniel trocou com amigos e os depoimentos, parece que Daniel só fez uma brincadeira infeliz, mas não há indícios de tentativa de estupro", disse o delegado.

O outro caso é o de um suposto assédio sexual a uma repórter da Globo. Uma visão rápida do caso[2]:

A repórter Fabíola Andrade, da Globo, se pronunciou após um vídeo em que foi supostamente abusada por um colega na Arena Corinthians ter viralizado nas redes sociais. A jornalista, que participou da transmissão do jogo entre Corinthians e Vasco pelo canal Premiere, defendeu o profissional e disse que ele estava manuseando o cabo de áudio preso à roupa dela.

"A respeito do vídeo que está circulando nas redes sociais desde ontem, eu queria dizer que vi outros ângulos do mesmo momento do jogo e conversei com o meu colega que trabalha comigo há cinco anos. Ele me procurou várias vezes hoje. Para mim não aconteceu assédio ou abuso. Ele estava manuseando o cabo de áudio que fica preso à minha roupa durante a transmissão, situação comum em dias de jogos", esclareceu Fabíola Andrade, que agradeceu pelo apoio na luta pelo fim do assédio.

(...) O Corinthians e o movimento "Deixa Ela Trabalhar", composto por jornalistas contra o assédio, repudiaram o suposto abuso, mas depois se retrataram após a jornalista negar o episódio.

O Corinthians e um grupo lesbofeminista viram que erraram sobre o que entenderam ser um caso de assédio e pediram desculpas. E o caso do Daniel Correia, nós só estamos discutindo o caso e querendo punição pros assassinos e pros cúmplices porque não houve estupro. Explicando melhor: o funcionário da Rede Globo acusado de "abuso sexual", como disse aquela matéria, foi culpado até provada a inocência; o jogador Daniel Correia foi estuprador até provada a inocência. A diferença entre esses e milhões de casos semelhantes no Brasil foi um esclarecimento muito rápido e irrefutável. E que, como disse G. K. Chesterton, "não foi o mundo que piorou, as coberturas jornalísticas é que melhoraram muito".

Mas de acordo com um colunista do UOL, "Caso Daniel força reflexão, e futebol age contra jogador 'todo-poderoso'"[3]. O texto diz que deve haver educação sexual para os jogadores, mas o autor dá a entender que vida sexual (com mulher) é machismo.

Mas se um homem acusado de crime sexual contra mulher é culpado até prova incontornável da inocência, isso é culpa do Feminismo? No caso da repórter da Globo, até poderia ser. Mas o outro caso, o do jogador Daniel, mostra que não.

Vou trazer um outro caso pra explicar isso melhor. O Flávio Morgenstern organizou a hashtag #CaetanoPedofilo no Twitter porque o Caetano Veloso disse que tirou a virgindade da futura esposa dele, a Paula Lavigne, quando ela tinha 13 anos e ele 40; foi processado e perdeu.[4] Sobre isso, eu comentei[5]:

#SomosTodosFlavioMorgen. O @flaviomorgen foi processado pelo Caetano Veloso por chamá-lo de pedófilo por ter transado com uma menina de 13 anos. Eu avisei que menina de 13 anos é adolescente, então não é pedofilia. Eu avisei que ia acabar mal. E avisei que ia torcer pro Caetano.

Mas o pior nem é isso. É alguns comentários que eu vi sobre o caso no Twitter[6]:

Criss Paiva

@CrissPaiva

Se um homem de 40 anos dá em cima da minha filha de 13, a justiça nem ia precisar julgá-lo pedófilo ou não, pq defunto não responde processo.

#SomosTodosFlavioMorgen

08:49 - 10 de nov de 2018

H.Paulo @H__PS 10 de nov

Em resposta a @CrissPaiva

Se um cara de 40 der em cima de uma filha minha de 13, nao sera ele que ira preso, serei eu.

Pedro Valentim In wine we TRUST ?? ?? ?? 1?? 7?? ???? @PedroValentim13 10 de nov

Em resposta a @CrissPaiva

Eu tenho a cura para esta doença, basta introduzir duas cápsulas no cérebro e o vivente se cura na hora

Esse tópico tem vários comentários desse nível. A última vez que eu disse que conservadores não sabem as definições básicas relacionadas a pedofilia, eu recebi uma resposta lamentável[7]. Sobre esses erros conceituais, como confundir pedofilia com sexo com adolescente, eu escrevi "Seis e dezesseis (Ou: direita cristã, acabou! - parte 10)" em 2016.[8] Mas aqui, eu gostaria de chamar a sua atenção a um ponto novo: se crimes sexuais de homens contra mulheres adultas, mulheres adolescentes ou mesmo crianças não são crimes contra a vida, por que algumas pessoas defendem a pena de morte também para esses crimes? Pior: por que homens que não matariam um assassino falam em matar um estuprador (de uma mulher)?

É "normal" ver as mulheres tratarem o sexo como algo marginal da vida humana e, portanto, qualquer sinal da heterossexualidade masculina como algo indesejável ou até criminoso. Não é por acaso que a maior mulher do Catolicismo Romano foi mãe sem sexo. Então, vamos aos homens. O homem não é um indivíduo humano dentro dos termos conservadores (não só no Cristianismo). O homem é um acessório pelo menos de esposa, filhos, pais e mulheres. Uma mulher moderna consegue ter tempo para si mesma, sua própria carreira profissional, etc. Um homem não. Ou melhor, quando um homem, além de solteiro, quer ter uma vida própria, é tratado como imaturo. O homem, nos princípios tradicionais, tem os deveres de juntar patrimônio, proteger os filhos, proteger as mulheres, proteger os idosos, etc.

Dada a libido ridícula da mulher em relação à do homem, o homem típico tende a proteger a mulher de qualquer contato próximo com um homem como faz quando ela passa por qualquer incômodo ou um perigo real. A submissão do homem típico a essa libido feminina ridiculamente baixa como se fosse o dever dele é o que explica, em parte, que um homem lute contra a prostituição e a pornografia. E também que ele "proteja" uma mulher (qualquer uma) de ver material erótico, pornográfico ou de uso sexual.

O chamado Progressismo não melhorou muito nem o homem nem a vida do homem nesse aspecto. Pelo menos não deu ao homem o que o Feminismo deu à mulher, que foi a oportunidade, por ser mulher, de aproveitar ou requerer da sociedade o melhor que ela podia lhe dar. O homem típico ainda é interessante como acessório das mulheres, dos idosos, dos filhos. Daí, a maior parte da liberdade sexual, quando acontece, é da mulher, e quase toda essa liberdade é exibicionismo, sexo de vingança ou lesbianismo; e o homem progressista, quando é hétero e honesto, é emasculado ou muito dedicado à militância. Por isso também o esquerdismo, depois de "libertar" as mulheres, os não-brancos e os não-héteros, deu uma sobrecarga e u'a marginalização aos homens héteros honestos que lembra a dos escravos do século XVIII.

Mas os conservadores e os esquerdistas ao mesmo tempo colocam as mulheres em pedestais e acusam o outro lado de rebaixá-las. Então, homens "machistas" agridem ou matam outros homens acusados de estupro ou assédio sexual a uma mulher, acusações verdadeiras e acusações falsas; e homens progressistas usam vestido curto em passeatas feministas ou em campanhas em redes sociais contra o assédio sexual (de homem contra mulher).

Uma observação que pode não parecer importante, mas é: os casos da repórter da Globo e do jogador Daniel, o leitor pode ter observado que aconteceram depois da eleição de Jair Bolsonaro como presidente. A imprensa tradicional realmente percebeu que as mulheres do povo de verdade do Brasil não teriam mais estômago para mais um ou dois casos de pretexto para feminismo barato. Não cola mais. Mas mesmo isso pode ser sinal para outro problema: dois feminismos, o conservador e o esquerdista, brigando pra provar um que é melhor que o outro.

Bom, pelo menos o meu pai e os meus irmãos já não acham absurdo ver os meus amigos homens pegando na minha bunda ou nos meus seios. Nem acharam absurdo me ver pelada com os amigos na casa deles na minha adolescência.

Os homens em geral igualam crimes sexuais de homens contra mulheres a crimes graves contra um ser humano porque eles ainda não concebem outro estilo de vida aceitável além de serem acessórios do universo feminino. Por isso, se um homem aborda uma mulher sexualmente, ou se ele realmente estupra a mulher, ou se há apenas uma acusação disso sem provas, outro homem acha justificável desde ignorar a presunção de inocência até matá-lo. A esquerda e a direita brigam para tratar as mulheres como rainhas. Nenhuma das duas quer tratar o homem como pessoa humana.

NOTAS E REFERÊNCIAS:

[1] "Daniel implorou para não ser morto, diz testemunha à polícia", Catraca Livre, 07 de novembro de 2018, https://catracalivre.com.br/cidadania/daniel-implorou-para-nao-ser-morto-diz-testemunha-a-policia.

[2] "Repórter da Globo se pronuncia sobre suposto assédio: 'Não aconteceu'", UOL, 19 de novembro de 2018, https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/redacao/2018/11/19/reporter-da-globo-se-pronuncia-apos-suposto-assedio-nao-aconteceu.htm.

[3] "Caso Daniel força reflexão, e futebol age contra jogador 'todo-poderoso'", UOL, 18 de novembro de 2018, https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2018/11/18/caso-daniel-reforca-cuidados-e-futebol-age-contra-jogador-todo-poderoso.htm.

[4] "Blogueiro Flavio Morgenstern terá que indenizar Caetano Veloso", Notícias Ao Minuto, 09 de novembro de 2018, https://www.noticiasaominuto.com.br/fama/686584/blogueiro-flavio-morgenstern-tera-que-indenizar-caetano-veloso.

[5] Abigail P. Aranha, 10 de novembro de 2018 às 13:15, https://twitter.com/AbigailPAranha/status/1061276227892338689.

[6] Criss Paiva, 10 de novembro de 2018 às 08:49, https://twitter.com/CrissPaiva/status/1061209144680767488.

[7]

Nota 8 de "Diário filosófico da Abigail P. Aranha: eleições 2018 e outras notas sociopolíticas - bloco 7 de 7", 12 de novembro de 2018, A Vez das Mulheres de Verdade, http://avezdasmulheres.blogspot.com/2018/11/diario-filosofico-eleicoes-2018-bloco-7.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2018/11/diario-filosofico-eleicoes-2018-bloco-7.html.

[8] "Seis e dezesseis (Ou: direita cristã, acabou! - parte 10)", 08 de janeiro de 2016, A Vez das Mulheres de Verdade, https://avezdasmulheres.blogspot.com/2016/01/seis-e-dezesseis-ou-direita-crista.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2016/01/seis-e-dezesseis-ou-direita-crista.html.