Não tem uns filhinhos de papai que dizem que o papel da instituição de ensino é de transmitir conhecimentos, de preparar a meninada pro mercado de trabalho? Eles não dizem isso quando um professor diz qualquer coisa sobre ética, política, consciência social, consciência ecológica? O tal professor pode até estar mesmo errado (mais no conteúdo que na forma), mas os senhores que dizem isso são formados em universidade, com pós-graduação no exterior.
Está certo que a universidade é uma instituição mais técnica e científica que qualquer coisa, mas se ela lida com pessoas ela pode ter a ética e a ideologia de quem vem até ela. Se o professor da universidade não está lá pra ensinar o comunismo, também não pode falar que mundo melhor é coisa de maconheiro vagabundo. É como diz uma frase que eu li uma vez: "'Não estamos falando sobre moral' é o começo de todo discurso hipócrita".
Enquanto eu tento mostrar que a universidade não produz mudanças no mundo, eu espero desmentir também outra falácia que é muito repetida por aí: a ideia de que mais negros e mulheres entrando na universidade (e saindo formados) vão transformar a sociedade pra melhor.
Qual a importância da universidade? O farmacêutico, o engenheiro de software, o médico, o engenheiro civil aprenderam o que sabem fazer lá? Beleza. Mas olha só. Quase toda a população nem sabe quando uma greve de universidades públicas em nível nacional já dura dois ou três meses. Quando está acontecendo um encontro de especialistas para discutir sobre um tema importante, como pobreza, melhorar o transporte urbano, melhorar o ensino, meio ambiente, não se enche uma quadra de colégio com quem ficou sabendo na própria cidade (claro, fora os experts que estiveram lá).
A glória de qualquer universidade é produzir milhares de escritos que quase ninguém vai ler, entre artigos, teses, livros, monografias. Trabalho pra aumentar currículo de quem escreve e patrimônio de empresa privada.
Aliás, na visão de quase todos, conhecimento é bem de produção. Você faz uma faculdade pra ganhar mais dinheiro. Diploma é investimento. É isso, inclusive, que as propagandas de faculdades enfatizam, de maneira mal disfarçada. O sujeito sabe inglês fluente, já pensa em se mudar pro exterior. Aliás, sabe a conversa de machismo na ciência e no curso de Ciência da Computação? Só apareceu quando ter um diploma universitário virou uma coisa atraente e as mulheres cresceram o olho, como acontece em todo o feminismo. Deem uma lida em "Por que existem poucas mulheres na ciência?", do Questionando o Feminino.
E já viu blog de mulher com curso universitário, completo ou cursando? Ou é blog pseudointelectual falando de tudo como se entendesse a fundo cada assunto, ou fala de futilidade, ou fala do casamento, ou dos filhos, ou do lugar onde mora ou passeou no exterior. Na melhor das hipóteses, é um blog feminista (entenda-se: lésbico-totalitarista). A piriguete faz questão de citar frases em outro idioma sem traduzir, ou copiar trecho de livro ou tese com citação padrão ABNT (mas sem a referência). Veja se você já viu alguma coisa assim:
FRANÇA (1992), sugere acrescentar no final da referência uma indicação das notas especiais entre parênteses no final da própria referência.
Agora, o que significa "FRANÇA (1992)", e que a página (http://iaracaju.infonet.com.br/users/stocker/Referencia.htm) não explica e eu tive que pesquisar no Google? Júnia Lessa França, uma edição publicada em 1992 (que deve ser a primeira), do livro que deve ser "Manual para normalização de publicações técnico-científicas". A turma da faculdade sabe disso, e deve até conhecer a obra, mas e quem não chegou lá? Está vendo como é que essa turma é exibicionista?
Outra: os universitários são muito menos inteligentes e estudiosos do que quem é de fora pensa. Que tem gente que cola na prova, copia trabalho na internet, paga pra alguém fazer trabalho dele e menina que dá pra professor ou passa o trabalho pro miguxo inteligente fazer você já sabe. Na universidade também. Às vezes, aluno que vai se formar em menos de um ano.
Ah, a Abigailzinha aqui defende a anarquia, o ateísmo, a putaria, o casamento aberto e assume. As mocinhas que chaparam em todas as cervejadas, usaram maconha, fizeram aborto, faziam Pedagogia e casaram com o namorado da Engenharia Mecânica grávida do cafajeste da História, pagavam trabalho se formaram e viraram santinhas, profissionais competentes, que estudaram, que se fizeram sem a ajuda de ninguém (claro, tirando o papai classe média, o ex-namorado otário ou o professor que levou a moça pro motel).
Já reparou que ...
- ... o sonho de um estudante de jornalismo é trabalhar na Globo?
- ... se o percentual de negros na universidade é baixo, no movimento estudantil é menor ainda?
- ... nenhum movimento que preste, a não ser que seja um movimento reacionário, é encabeçado por alguém com pós-graduação?
- ... nenhum advogado ficou conhecido por dizer "eu não defendo canalha por dinheiro nenhum"?
- ... qualquer protesto de moradores de bairro da periferia consegue fazer mais diferença pra uma cidade do que o trabalho de muitos especialistas que trabalham na prefeitura?
- ... todo perfil de gente de nível universitário em rede social é comportadinho (a não ser de mulher protestando contra o machismo, homossexual protestando contra a homofobia, professor protestando contra o salário e coisas do tipo)?
- ... uma postagem de blog bem escrita, ou até uma carta de leitor de jornal, pode ser mais instrutiva sobre transporte público do que 10 artigos de um alto funcionário do órgão responsável com pós-graduação no exterior?
- ... toda pessoa extremamente desagradável é especialista em alguma coisa?
- ... toda pessoa extremamente desonesta é um dos grandes nomes em alguma coisa?
A importância da universidade, isso para o próprio povo, é dar um diploma para a filhota do pedreiro ter um apartamento na área nobre de uma cidade grande em vez de ser empregada doméstica. Eu não tenho nada contra pedreiro ou empregada doméstica, mas eles têm (eu tenho contra falta de dinheiro, não contra andar de ônibus). Aliás, quase ninguém na universidade ou fora é contra as coisas erradas que viraram normais, desde que possa se dar bem na vida.
Pra encerrar, a gente poderia citar, e talvez o querido leitor também, grandes empresas com ambientes de trabalho horríveis. Abusos de autoridade, humilhações, colega tentando passar a perna no outro, excesso de trabalho, ameaça de demissão. E quem está lá aguenta tudo isso. Ninguém pensando "eu vou sair daqui e vou pra uma empresa melhor pra trabalhar, nem que seja com menos de um terço do salário". Não, o sujeito tem que andar de carrão, dar vida mansa pro filhote, pagar tudo que a esposa quer comprar, porque foi pra isso que ele entrou na universidade. O gerente, o diretor, o cientista da computação, toma antidepressivo ou vai se suicidar no dia seguinte, mas continua lá. Em alguns órgãos públicos, gente com pós-graduação pode ser subordinado de uma amante de vereador ou um sobrinho de deputado com competência questionável, mas vai ficando lá. Ou seja, quem se forma na universidade muitas vezes não tem coragem nem de lutar pela própria dignidade.
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