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sábado, 21 de julho de 2018

Direita cristã, acabou! - parte 42: a série da Globo News sobre pedofilia e como os conservadores vão fazer a pedofilia continuar a ser doença, o transexualismo deixar de ser e a heterossexualidade masculina ser tratada como se fosse

Abigail Pereira Aranha

A direita brasileira parece que lê o que eu escrevo principalmente desde 2015 pra fazer o contrário do que eu digo que precisa ser feito pra acontecer o que eu digo que pode acontecer (de coisa ruim). Eu disse em junho de 2015 no texto "Esqueça a pedofilia, o perigo é outro"[01]:

Acusar esquerdistas de promover a pedofilia será uma calúnia que só fortalecerá a esquerda. Combater a ficção grosseira da pedofilia também só fortalecerá a esquerda. Este é o verdadeiro perigo.

Pois no último dia 17, o canal Mundo dos Links Tube publicou o vídeo "Matéria sobre PEDOFILÍA na INTERNET GLOBO NEWS"[02] (sic). O vídeo não tem a data nem a fonte do original, daí muitos direitistas pensaram que a matéria é desta semana e publicaram vídeos no Youtube comentando[03]. E vamos destacar o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do pré-candidato a Presidência da República Jair Bolsonaro, que compartilhou no Twitter, no mesmo dia 17, um fragmento da matéria com a introdução "Globo defendendo que pedofilia é doença. Absurdo!"[04].

A matéria é real, é da Globo News, mas é de novembro de 2017, portanto tem mais de 8 meses. Está transcrita no apêndice com referência do original, e, como vocês vão ver comparando os vídeos com a matéria, eles só viram o começo, os 3 primeiros minutos no máximo (o vídeo tem 16 e meio), e ainda colocaram palavras que não estão nem no pedacinho que eles viram.

A matéria é preocupante, sim, mas por outros motivos. Antes de mostrar quais, vou citar outro trecho daquele meu texto de 2015[05]:

O combate à pedofilia será tão irracional e calunioso quanto o combate à violência contra a mulher (que, embora plausível, é outra ficção: o que existe são crimes comuns de autores homens contra vítimas mulheres). Os antifeministas (homens e cada vez mais mulheres) nos trazem com frequência casos de prisão, agressão e até linchamentos de homens inocentes acusados de estupro ou assédio sexual contra mulheres, e isso citando só casos em que essa inocência foi reconhecida depois e cuja fonte é u'a matéria curta de um grande jornal. Já sabemos que a maioria das queixas de assédio sexual e agressões contra mulheres é inventada, que agredir mulheres nunca foi permitido ou atenuado por lei no Ocidente cristão e mesmo para o homicídio menos de 10% dos assassinos brasileiros são condenados e presos. Então, defender mudanças nas leis quase sempre é sensacionalismo, é só consequência se a solução for implantada e não trouxer melhora. Mas entre os mesmos antifeministas, na maioria conservadores, é comum encontrar defensores de penas mais duras, não raro de morte, para a pedofilia, que, espero que o leitor tenha entendido, é em si mesma uma invencionice patética. Pior: o discurso deles contra os pedófilos e os acusados de estupro de crianças é o mesmo, trocadas as palavras específicas, dos homens e mulheres feministas que condenam o estupro de mulheres ou defendem o feminicídio (tese em que um homem assassinar uma mulher deve ser pior do que matar um ser humano). Mais: as mentiras usadas por conservadores e por esquerdistas contra a pornografia adulta, em especial a relação dela com a pedofilia, são exatamente as mesmas.

E quando eu digo "mesmo discurso" (ou pior), não me refiro só a erro de forma ou de argumento, eu me refiro a um discurso de formato socialista, de pedir leis piores para um Estado já tomado pelo Socialismo e pelo Feminismo. E essa estrutura legal vai se voltar contra quem? Basicamente, contra os criminosos políticos e vítimas de picuinhas, como sempre aconteceu na pena de morte. Vincular a pornografia adulta à pornografia infantil (indigna de nota até prova em contrário) para censurá-la pode satisfazer puritanos gimnofóbicos, mas vai ajudar o Socialismo lésbico. Chegamos ao cúmulo de o Jornal do Brasil confessar uma falsa comunicação de crime de pornografia com menores contra o XVideos ao Ministério Público Federal brasileiro em fevereiro de 2011. Coisa que só quem desconhece o portal pode imaginar que seja verdade. E este foi o mês anterior ao da última postagem do maior blogue antifeminista brasileiro, O Perdedor Mais Foda do Mundo (http://silviokoerich.blogspot.com), antes de ser clonado com a ajuda direta do governo Dilma Rousseff. E os clones silviokoerich.com e silviokoerich.org defendiam a pedofilia.

Um trecho do meu texto "Em nome da proteção às crianças e aos adolescentes, vamos dar apoio a um Estado fascista-muçulmanóide?", de janeiro de 2009[06]:

Filtros para internet e programas espiões em nome da proteção dos filhos menores coroam o modelo mais tradicional (e imbecil) de educação: pouca informação e muita proibição. Com isso, os pais pensam que os filhos saberão o que eles querem, terão os princípios que eles querem (os da religião deles), se casarão virgens com quem eles querem, terão os amigos que eles querem e terão a vida que eles querem (como a deles mesmos ou pior). E os inimigos da liberdade podem oferecer agrados para estes "reis do lar" sem autoridade moral. Dentro dos interesses deles próprios (os inimigos da liberdade).

Agora, vamos aos pontos que são preocupantes nesse caso, alguns nem tanto na matéria. O primeiro é que o caso mostra como a direita é burra. Eles pensam como disse o Olavo de Carvalho no Twitter em dezembro de 2015, e alguns até compartilharam capturas de tela da postagem: "Estratégia do movimento pró-pedofilia: Primeiro dizem que é doença para não dizer que é crime. Depois tornam crime dizer que é doença".[07] Aviso aos mal-informados: pedofilia é doença. Código F65.4 no CID-10[08], previsão de código 6D32 no CID-11[09]. O segundo ponto é que o caso mostra como a direita pode quebrar a cara com isso porque está viciada em incitar semianalfabetos de zona rural do interior pra apedrejar casas e queimar livros. Inventaram que o Movimento LGBT queria incluir o "P" na sigla para abranger a pedofilia.[10] A agência Aos Fatos, especializada em desmentir "fake news" nas redes sociais (na verdade, de acordo com os conservadores, um truque para reprimir a direita), publicou no dia 16: "Notícia falsa que relaciona pedófilos a LGBTs foi importada dos EUA"[11].

O terceiro ponto, agora vamos à matéria em si, é que a própria matéria não distingue pedofilia de abuso sexual de crianças, apesar de tentar fazer isso no começo. O mesmo erro que eu apontei na direita em janeiro de 2016[12] e pode levar às consequências que eu previ:

Mas enquanto a direita e os conservadores cristãos insistirem em misturar pedofilia e abuso sexual contra crianças, criança e legalmente menor de idade, sexo com crianças e sexo com adolescentes e se casar com uma menina pré-adolescente e ter relações sexuais com essa menina, tudo que eles vão conseguir é 1) cooperar com as piores seções feministas em infernizar a vida dos homens honestos e ilegalizar o sexo heterossexual; 2) lutar não contra o Feminismo, mas contra o que resta da heterossexualidade feminina, ou qualquer coisa que se pareça com ela; 3) fazer as feministas parecerem que lutam pela liberdade sexual, tanto feminina quanto masculina; 4) a médio prazo, serem descartados junto com a extrema-esquerda.

O quarto ponto preocupante, também na matéria em si, é que ela confirma o que eu previ naqueles textos que eu citei e que os liberais e cristãos conservadores ignoraram. Ou melhor, esse caso confirma como os direitistas não sabem analisar os fatos e ouvir quem não diz tudo que eles acreditam. Você pode comparar estes trechos da matéria com o que eu disse até aqui:

A gente sabe que muitos casos de abuso, eles não se concretizam com o ato sexual, né? O armazenamento, o compartilhamento de fotos, tudo isso já configura crime. E muitas vezes, esses crimes, até o carinho de uma maneira mais maliciosa, acontece dentro de casa, com pessoas próximas, na escola, com pessoas em que a criança confia.

E também há hoje os softwares, programas de controle parental, em que os pais podem controlar os conteúdos que os filhos acessam na rede. É importante disseminar a informação sobre esse tipo de ferramenta, ensinar os pais a usar esse tipo de ferramenta. E também parece que campanhas de conscientização e educação na escola são fundamentais pra gente preparar esses jovens para agir com mais segurança na rede.

O Marco Civil da Internet, ele prevê que o Estado, na sua obrigação constitucional de prestação de educação, também deveria incluir uma capacitação pro uso seguro, responsável, consciente da internet. Mas infelizmente, o que a gente vem acompanhando é a atuação do Estado muito na repressão, mas não nesta capacitação. A capacitação me parece que vem mais da iniciativa privada, entidades de classe, associações de ensino, que estão tentando transmitir esse tipo de conteúdo aos jovens.

Mas eu dizia antes que isso mostra como os liberais e os conservadores são burros, vou voltar ao Carlos Bolsonaro. Mais exatamente ao pai dele, o deputado Jair. Ele tem um projeto de lei de castração química para pedófilos e estupradores. Provavelmente, é um tratamento de supressão de testosterona. Um homem com pouca testosterona tem perda de massa óssea, perda de concentração, uma série de problemas de saúde. É o preço a pagar para diminuir os estupros? Não. Um homem encosta em uma mulher em um ônibus lotado, já é um estuprador. Sério. Isso já aconteceu, não só no Brasil. Um homem faz um carinho mais entusiasmado na filha pequena, já é um pedófilo. Sério. Isso já aconteceu. A solução já seria infeliz se estupro fosse só conjunção carnal não consentida no ato (hoje, pode ser não consentida posteriormente também). O excesso de testosterona tem tanta relação com os estupros quanto os genes negros com o latrocínio. E submeter um homem a castração química porque ele olhou para uma mulher nua sem tocá-la e isso é considerado estupro (isso já aconteceu)[13] é, na prática, lutar contra o homem hétero, isso sem contar as denúncias falsas de crimes inexistentes. E nisso, o deputado federal e futuro candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro é um cristão conservador e o político mais firme contra o movimento esquerdista (e eu ainda acredito que ele seja a melhor das opções da eleição deste ano). Mesmo assim, ele não tem um projeto de lei contra crimes sexuais, ele tem um projeto de lei contra homens acusados de crimes sexuais contra mulheres e crianças. Como ele trataria uma mulher pedófila? Como seria a minha castração química se eu transar com um rapaz de 15 anos e a mãe dele me denunciar, se a concentração de testosterona da mulher já é muito mais baixa que a do homem?

E temos sorte de não estarmos nos Estados Unidos. Lá, não basta gente sexualmente frustrada e provincianos idiotas tentarem ligar a pornografia adulta à pedofilia ou ao abuso sexual de crianças. Lá, uma congressista disse que a pornografia é a causa de... tiroteios em escolas[14].

E para completar a tragédia do Conservadorismo, um mês antes, a esquerda comemorava: "OMS retira transexualidade da sua lista de doenças"[15]. O transexualismo é o F64.0 no CID-10, vai sair do CID-11. Digo de passagem que a cirurgia de mudança de sexo é o único tratamento médico que ajusta o corpo à doença. E pelo que eu vi numa consulta rápida, o travestismo (F65.1) parece que vai sair também. Mas o Frotteurismo, que é a tara de tocar ou se esfregar em pessoas (vestidas) sem o consentimento delas, continua (no CID-10, é o F65.81).

A pedofilia vai continuar a ser doença, porque a esquerda não quer promover a pedofilia. O transexualismo vai deixar de ser, porque isso pode atingir os conservadores. E a heterossexualidade masculina vai ser tratada como se fosse, porque os conservadores e a maioria dos progressistas já tinham isso como princípio. Como eu também já avisei há anos, os liberais e os conservadores só têm expectativa de ganhos não onde eles lutam contra a esquerda, mas onde os dois lados têm interesse comum.

NOTAS:

[01] [05] "Esqueça a pedofilia, o perigo é outro", 08 de junho de 2015, A Vez das Mulheres de Verdade, http://avezdasmulheres.blogspot.com/2015/06/esqueca-pedofilia-o-perigo-e-outro.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2015/06/esqueca-pedofilia-o-perigo-e-outro.html.

[02] "Matéria sobre PEDOFILÍA na INTERNET GLOBO NEWS", Mundo dos Links TUBE, 17 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=BUd5M_S9MIE.

[03] Entre eles: "Pedofilia, Globo e ONU", Diego Rox Oficial, 19 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=sJ7Gkwpnq_0; "Alerta! Pedofilia é uma doença diz a Rede Globo", Tiago Cunha, 19 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=0HDsjTdxpUM; "Globo normaliza pedofilia", Fala José, 19 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=x3wnmIqx6gU; "Globo Lixo disse: 'Pedófilo é uma 'vítima' da sociedade' - A NORMALIZAÇÃO DA PEDOFILIA!", Gui Santos, 19 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=SD6hRJu5ZxU; "Ao vivo - Globo e a pedofilia - Globo lixo", Ozzy Return, 18 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=JdE_m6Mwo5o.

[04] Carlos Bolsonaro, 17 de julho de 2018 às 18:07, https://twitter.com/CarlosBolsonaro/status/1019327792683651073.

[05] Idem nota 01.

[06] "Em nome da proteção às crianças e aos adolescentes, vamos dar apoio a um Estado fascista-muçulmanóide?", 05 de janeiro de 2009, A Vez das Mulheres de Verdade, http://avezdasmulheres.blogspot.com/2009/01/em-nome-da-protecao-as-criancas-e-aos.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2009/01/em-nome-da-protecao-as-criancas-e-aos.html.

[07] Olavo de Carvalho, 19 de dezembro de 2015 às 10:14, https://twitter.com/odecarvalho/status/678186599201550336.

[08] http://apps.who.int/classifications/icd10/browse/2016/en#F65.4

[09] https://icd.who.int/dev11/l-m/en#/http%3a%2f%2fid.who.int%2ficd%2fentity%2f517058174?view=V166

[10] Por exemplo: "Pedofilia, Globo e ONU", Diego Rox Oficial, 19 de julho de 2018, https://www.youtube.com/watch?v=sJ7Gkwpnq_0.

[11] "Notícia falsa que relaciona pedófilos a LGBTs foi importada dos EUA", Aos Fatos, 16 de julho de 2018, https://aosfatos.org/noticias/noticia-falsa-que-relaciona-pedofilos-lgbts-foi-importada-dos-eua.

[12] "Seis e dezesseis (Ou: direita cristã, acabou! - parte 10)", 08 de janeiro de 2016, A Vez das Mulheres de Verdade, https://avezdasmulheres.blogspot.com/2016/01/seis-e-dezesseis-ou-direita-crista.html; e A Vez dos Homens que Prestam, https://avezdoshomens.blogspot.com/2016/01/seis-e-dezesseis-ou-direita-crista.html.

[13] "Estupro de vulnerável não exige contato físico entre agressor e vítima", Consultor Jurídico, 04 de agosto de 2016, http://www.conjur.com.br/2016-ago-04/estupro-vulneravel-nao-exige-contato-entre-agressor-vitima.

[14] "Pornography is a 'root cause' of school shootings, Republican congresswoman says", The Washington Post, 29 de maio de 2018, https://www.washingtonpost.com/news/powerpost/wp/2018/05/29/pornography-is-a-root-cause-of-school-shootings-republican-congresswoman-says.

[15] "OMS retira transexualidade da sua lista de doenças", Revista Fórum, 18 de junho de 2018, https://www.revistaforum.com.br/oms-retira-transexualidade-da-sua-lista-de-doencas.

Apêndice

"Pedofilia é uma doença que não tem cura, mas tem tratamento", Globo News, 01 de novembro de 2017. Disponível em http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/v/pedofilia-e-uma-doenca-que-nao-tem-cura-mas-tem-tratamento/6258247.

Pedofilia é uma doença que não tem cura, mas tem tratamento

[00:00 a 00:16, Raquel Novaes] - A Edição das Dez vem mostrando desde segunda-feira uma série especial de reportagens abordando o tema pedofilia. A repórter Isabela Leite passou as últimas semanas envolvida nesse assunto e trouxe pra gente casos reais em São Paulo, onde acontece um terço das prisões de pedófilos no país.

[00:17 a 00:53, Aline Midlej] - Raquel, a gente tem ouvido a Polícia Federal, a Justiça e também profissionais ligados à segurança na internet. E também os pais, que enfrentam esse grande desafio de garantir a segurança dos filhos diante da ameaça da pedofilia na internet. Hoje, a gente exibe a terceira reportagem dessa série, a última, que vai abordar a questão médica envolvendo os pedófilos, que sofrem de um transtorno. Isabela, muito preconceito com relação a isso, porque é o tipo de crime que nos enoja muito como sociedade, né? Mas o fato é que é uma doença, não tem cura, mas tem tratamento.

[00:57 a 01:51, Isabela Leite] - Oi, Aline, bom dia pra você, bom dia a todos. Tem tratamento, mas durante a produção dessa série de reportagens, a gente percebeu que ainda é muito pouco o que é oferecido pra essas pessoas que buscam ajuda. Até mesmo tem pessoas que nem sabem que esse tratamento existe. Esse foi o caso durante muitos anos de um homem, que inclusive procurou esse tratamento, há dois anos ele se trata, mas ele classificou como um divisor de águas na vida dele quando ele descobriu, quando ele descobriu que ele poderia pedir ajuda. Então, a gente conversou com o outro lado, né, dessa questão da pedofilia. São médicos que trabalham, né, nesse tratamento, até mesmo o homem que tá passando por esse acompanhamento. Ele descreveu como tem sido isso e como a gente ter uma política pública mais aprofundada e mais elaborada sobre isso poderia ajudar no combate a esse crime que atinge tanta gente hoje no Brasil. A gente vai mostrar essa reportagem, daqui a pouquinho a gente volta pra debater ainda mais sobre esse assunto. Vamos assistir.

[02:03 a 02:24, Isabela Leite] - A pedofilia é uma doença crônica que não tem cura. Os médicos até fazem uma comparação com a diabetes e com o alcoolismo, que exigem cuidado redobrado e tratamento por muito tempo, talvez por toda a vida. Nesse sentido, a internet surgiu como um complicador, tanto para os pacientes como para os profissionais que fazem esse acompanhamento.

[02:24 a 02:48, Carlos Eduardo Alves Teixeira, psicólogo] - Pode ser um bilhete que ele deixe, né, ao lado do computador sempre que acessá-lo, relembre aquele bilhete que ele vai acessar o computador para fazer algo no banco, para fazer um texto que ele precisa entregar, pra pagar uma conta, enfim, e desestimule então a ele ceder ao impulso de vir a acessar a pornografia.

[02:51 a 03:13, narração de Isabela Leite] A comunidade médica diz que é muito difícil evitar recaídas. Na Faculdade de Medicina do ABC Paulista, esse ambulatório de transtornos sexuais atende toda semana 50 pacientes diagnosticados com pedofilia. Aqui, o primeiro passo pro sucesso do tratamento esbarra muitas vezes na motivação do paciente.

[03:13 a 03:20, Danilo Antônio Baltieri, psiquiatra] - Se o indivíduo buscou o tratamento, mas buscou com o objetivo de uma desculpa, isso não é... isso não é... saudável.

[03:20 a 03:36, Carlos Eduardo Alves Teixeira] - A questão da minimização, a questão da negação, que muitas vezes é encontrada também. No sentido de... o sujeito não ter a total percepção da gravidade da situação em que ele se encontra.

[03:40 a 03:45, narração de Isabela Leite] Foi o medo de a polícia bater na porta que levou este homem a procurar tratamento.

[03:46 a 03:57, anônimo] - Aconteceu um fato com uma criança, e essa criança falou, né?, com a mãe, e a partir desse momento, minha família toda ficou sabendo, né?

[03:57 a 03:58, Isabela Leite] - Do que que o senhor tinha medo?

[04:00 a 04:13, anônimo] - Bom, primeiro, o medo de todos descobrirem; e segundo, o medo de ir pra uma cadeia, né, porque a gente sabe que na cadeia, a coisa não é fácil para quem... passa por esse processo.

[04:13 a 04:25, Danilo Antônio Baltieri] - Nos últimos dois anos, vieram muitas pessoas com a doença ou com a preocupação de... portarem esse problema, acabam buscando também tua ajuda.

[04:28 a 04:35, narração de Isabela Leite] Para o homem que foi denunciado por uma vítima, já são dois anos de medicação e terapia de grupo para evitar recaídas.

[04:35 a 04:50, anônimo] - Eu fui confiante de que eu ia conseguir me tratar e ia ficar bem. Quando você não sabe que existe o tratamento, é uma coisa. Depois que você sabe que existe o tratamento, né, muda tudo na vida da gente.

[04:51 a 04:54, narração de Isabela Leite] Mas é preciso seguir uma série de regras para não ser denunciado.

[04:55 a 05:11, Carlos Eduardo Alves Teixeira] - A partir do momento em que ele identifica, o profissional identifica que está acontecendo uma iminência de uma situação que vá vir a acontecer, é colocado isso, né, referente ao contrato que foi elaborado que tem que ser comunicado, tem que ser denunciado.

[05:11 a 05:35, Danilo Antônio Baltieri] - Não pode haver vítima mais. O que ocorreu no passado... ocorreu no passado. Nós não temos a obrigatoriedade da denúncia. Ocorreu no passado, antes da busca pelo tratamento. Mas iniciando o tratamento... nós temos, sim... muitas vezes... a necessidade... de... denunciar.

[05:39 a 05:52, narração de Isabela Leite] O tratamento é apontado como medida preventiva. Ou, se for tarde demais, investir no tratamento como medida complementar a uma pena de prisão. Uma política que ainda engatinha no Brasil.

[05:52 a 06:05, Renata Andrade Lotufo, juíza federal] - É uma discussão que engloba toda a sociedade. Neurologistas, neurocientistas... psicólogos, sociólogos, é uma coisa que... vai muito além. Agora... as crianças têm que ser protegidas.

[06:05 a 06:25, anônimo] - Essa doença, ela tem que ser tratada. Você trata sobre as drogas, sobre a bebida e tudo isso aí... né, é complicado. Mas... tem tratamento também. Se você for prender todos aqueles que são viciados em drogas, pode ver que a maioria sai de lá... pior do que entrou.

[06:28 a 06:39, narração de Isabela Leite] Só uma delegacia da Polícia Federal em São Paulo prendeu este ano 20 pessoas em flagrante com pornografia infantil. Mas a maioria não chega a cumprir pena na cadeia.

[06:40 a 06:43, Isabela Leite] - Esses homens chegam... eles ficam presos, doutora, na maior parte das vezes?

[06:44 a 06:56, Renata Andrade Lotufo] - Na maior parte das vezes, não. Agora, não mais. Porque a maioria é pega só por... por... não por compartilhar, só por manter o... o arquivo.

[06:56 a 07:25, Danilo Antônio Baltieri] - A cobrança... não deve ser em cima do médico, do profissional da saúde. A cobrança deve ser em cima daquele que bota o problema, que foi... liberado... pra se tratar, e tem que levar... a declaração de que de fato está fazendo uso dos remédios. Os crimes hediondos também... os indivíduos têm o direito a liberdade condicional, que é um terço da pena, vai embora... sem tratamento. Nem dentro nem fora.

[07:31 a 08:18, Isabela Leite] - Bom, a gente vê, né, como a própria dra. Renata Lotufo, juíza federal, disse, é um debate que envolve toda a sociedade, então, depois dessas três reportagens, a gente vai debater um pouco mais isso ao vivo. Nós trouxemos dois convidados, que vão estar ao vivo aqui com a gente agora na Edição das Dez, vou apresentá-los. Dra. Camila Jimene, advogada especialista em Direito Digital, e dr. Eduardo Gouvêa, desembargador e coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo. Eu começo com a dra. Camila, doutora, obrigada por estar ao vivo aqui com a gente. Durante todo esse processo de produção e conversando com muita gente, uma das barreiras que a gente percebeu é justamente essa diferença, né, em relação à geração digital, dos pais e das crianças. A senhora que trabalha muito em escolas, qual que é a realidade que você encontra hoje pra conseguir achar um equilíbrio disso?

[08:19 a 08:53, Camila Jimene, advogada especialista em Direito Digital] - A grande questão é que os pais, os que vieram antes da década de 90, eles são analógicos. Quando eles nasceram, não existia essa revolução tecnológica, eles não foram educados pra isso, e portanto eles não conseguem transmitir pros filhos alguns conteúdos em valores de segurança. Por sua vez, as crianças hoje nascem... uma criança de 2 anos já tem total habilidade pra usar um tablet e acessar um vídeo que ele quer em qualquer plataforma de aplicação da rede, sem nenhuma orientação dos pais. Então, me parece que a gente tem também uma questão de evolução dessa questão educacional, pra que os pais estejam preparados pra que consigam educar os filhos pra que se comportem com segurança nesse ambiente digital.

[08:53 a 09:04, Isabela Leite] - Tá certo. Eu aproveito esse gancho, doutor, pra gente... eu queria que o senhor fizesse uma análise do impacto que a internet teve nesses últimos anos quando a gente fala de proteção à criança e ao adolescente.

[09:05 a 09:39, Eduardo Gouvêa, desembargador e coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo] - Realmente a dra. Camila falou bem. Hoje, a evolução das crianças é muito grande no sentido de terem acesso aos meios de informática e... os pais precisam ter um controle a respeito do que as crianças estão visitando, os sites, todos os acessos, porque é uma forma de orientar e inibir que... terceiros... pedófilos, tenham acesso a essa criança e se utilizem da ingenuidade da criança para... usar o seu... transtorno... mental.

[09:39 a 09:59, Isabela Leite] - Doutor, a gente mostrou em uma das reportagens, né, o que é previsto de crime pelo ECA, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Com essa evolução da internet, o senhor acha que seria necessário ou possível fazer uma atualização pra que essas penas fossem mais pesadas em relação a quem comete esse tipo de crime hoje no mundo virtual contra uma criança ou um adolescente?

[10:00 a 10:16, Eduardo Gouvêa] - Sem dúvida, Isabela, precisa ser revisto o ECA no aspecto de crimes pontuais praticados através da internet como a pedofilia e acesso às crianças. Isso precisa ser revisto, a Câmara e o Senado precisam rever e... prever penas mais graves.

[10:16 a 10:21, Isabela Leite] - Tá certo. A gente tem agora uma pergunta do estúdio, a Aline é quem vai perguntar. Vamos ouvir.

[10:22 a 11:02, Aline Midlej] - Oi, Camila, dr. Eduardo, muito bom dia aos dois, obrigada por estarem aqui com a gente. Camila, eu queria perguntar pra você sobre o controle que se tem hoje e como a legislação ajuda ou não no combate à pedofilia. Discutimos muito aqui a questão da penalidade, né, muitos pedófilos nem chegam a ser presos se apenas mantiverem esses arquivos e não compartilhá-los. Com relação ao Marco Civil da Internet, e tudo que a gente tem hoje disponível com os avanços recentes: é suficiente, não é, a lei na prática, ela é usada como deveria? Ou é aquela história, no papel tudo funciona, mas na hora de legislar sobre isso é complicado? Quais são os gargalos que você enxerga hoje no combate à pedofilia especialmente na internet?

[11:05 a 11:44, Camila Jimene] - Olha, com relação à investigação na internet, o Brasil desde 2014 conta com o Marco Civil da Internet, que é uma lei que regulamenta esse ambiente digital e prevê responsabilidades dos provedores de serviços. Entre essas responsabilidades, estão o fornecimento de dados que permitem a identificação desses usuários. Até por conta disso, todas as investigações que a gente vem vendo a Polícia Federal fazer, ela está baseada em quebras de sigilo e fornecimento de dados por provedores de serviços de internet. Então, me parece que nesse aspecto de internet, nossa legislação atende sim, e já prevê mecanismos de quebra de sigilo pra que o juiz possa determinar que se entreguem dados pra se identificar um usuário que comete alguma prática ilícita.

[11:45 a 11:49, Isabela Leite] - Agora, a gente tem uma pergunta, doutor, da Raquel lá no Rio de Janeiro pro senhor.

[11:50 a 12:33, Raquel Novaes] - Obrigada, Isabela. Dr. Eduardo, sempre que a gente discute casos graves, crimes, muitos dos nossos entrevistados falam em subnotificação. Queria que o senhor desse pra gente uma ideia, né, em relação à pedofilia, porque a gente sabe que muitos casos de abuso, eles não se concretizam com o ato sexual, né? O armazenamento, o compartilhamento de fotos, tudo isso já configura crime. E muitas vezes, esses crimes, até o carinho de uma maneira... mais maliciosa, acontece... dentro de casa, com pessoas próximas, na escola, com pessoas em que a criança confia. Quer dizer, tem também uma dificuldade de identificar de fato quando acontece um abuso pra que seja notificado, e seja investigado e seja... feita a punição a esse criminoso?

[12:37 a 13:31, Eduardo Gouvêa] - Bom dia, Raquel. Realmente a situação é difícil, porque muitas vezes, o crime pode ocorrer no ambiente... da casa... com familiares... aí fica de difícil identificação. As escolas precisam ver como as crianças se portam, se têm alguma... modificação de conduta, e... efetivamente, se a criança tá se comportando de uma maneira diferente do normal perante as outras e a própria escola, a escola precisa procurar saber o que vem acontecendo em casa. E no âmbito da própria casa, efetivamente, os pais têm que manter um controle sobre o acesso à internet. Porque se a criança tiver um acesso irrestrito e não for observada, pode haver uma perda da situação de controle e a criança, na sua ingenuidade, entrar na situação de abuso sexual... até virtual.

[13:32 a 13:54, Isabela Leite] - Eu vou entrar um pouco nessa discussão, doutor, se o senhor me permite, até adiantando uma outra pergunta com a Camila, a gente tava conversando mais cedo em relação a esse Marco Civil da Internet. Mas... eu queria saber na opinião da senhora se o poder público tem atuado de uma forma efetiva no cumprimento de algumas questões que cabem a ele ou se a iniciativa privada tá assumindo muito mais essa responsabilidade.

[13:55 a 14:22, Camila Jimene] - Sim, o Marco Civil da Internet, ele prevê que o Estado, na sua obrigação constitucional de prestação de educação, também deveria incluir uma capacitação pro uso seguro, responsável, consciente da internet. Mas infelizmente, o que a gente vem acompanhando é a atuação do Estado muito na repressão, mas não nesta capacitação. A capacitação me parece que vem mais da iniciativa privada, entidades de classe, associações de ensino, que estão tentando transmitir esse tipo de conteúdo aos jovens.

[14:23 a 14:36, Isabela Leite] - Só pra gente... poder dar uma explicação, né, um detalhamento melhor pro nosso assinante: como que o poder público poderia atuar na prática? Seria com campanhas de conscientização, trabalhando um pouco melhor isso até mesmo dentro das escolas públicas...?

[14:36 a 15:01, Camila Jimene] - Sim, me parece que isso precisa fazer parte da grade, a Educação Digital precisa fazer parte hoje da grade de educação nas escolas públicas, e também há hoje os softwares, programas de controle parental, em que os pais podem controlar os conteúdos que os filhos acessam na rede. É importante disseminar a informação sobre esse tipo de ferramenta, ensinar os pais a usar esse tipo de ferramenta. E também parece que campanhas de conscientização e educação na escola são fundamentais pra gente preparar esses jovens para agir com mais segurança na rede.

[15:01 a 16:04, Isabela Leite] - Perfeito. Eu gostaria de agradecer muito a dra. Camila e o dr. Gouvêa pela participação ao vivo aqui no Edição das Dez, pra gente poder trazer mais detalhes dessa discussão que é tão importante, né... no nosso dia-a-dia. A gente também, nesses últimos dias, a gente consultou, né, o poder público, a gente... entrou em contato com o Ministério dos Direitos Humanos, até pra entender um pouco melhor como essas ações estão sendo realizadas. Eles ainda não nos deram um retorno, mas ficaram de nos retornar e assim que possível, a gente traz esse posicionamento deles. Aline e Raquel, eu acho que, assim, além de toda essa questão da conscientização, né, é importante quem souber de qualquer caso, desconfiar... de um... colega, de um sobrinho, até mesmo dentro da escola... é preciso denunciar... pra Polícia Civil, pra Polícia Federal, ou até entidades que trabalham com isso. Porque como a gente viu, né, às vezes isso acaba ficando restrito... dentro da realidade da criança, ela não consegue sair disso, isso não chega à tona... pra que outras pessoas possam investigar e penalizar, né, quem realmente está cometendo um ato criminoso.

[16:05 a 16:32, Raquel Novaes] - Isabela, importante ver esses alertas, a nossa tentativa aqui de contribuir com esse debate, né, abrir os olhos, aí, das pessoas como um todo, crianças, pais, professores, pra esse grave problema que acontece. Muito obrigada pelas reportagens, parabéns aí a toda a equipe envolvida, a gente agradece mais uma vez a dra. Camila e o dr. Eduardo também, que estão aqui com a gente pra ajudar a esclarecer e alertar em relação a esses pontos. Muito obrigada, o debate está sempre aberto, a gente conta com a colaboração de vocês sempre.

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