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sábado, 19 de agosto de 2017

Delação sem prêmio 2: um exemplo prático, a Teoria da Ferradura e a prática dos burros

Abigail Pereira Aranha

Eu estava preparando o texto "Delação sem prêmio" quando li esta notícia: "Engenheiro despedido da Google por sexismo ganha emprego na WikiLeaks", Zap, 08 de agosto de 2017. Alguns trechos (negrito no original):

O memorando com estas ideias foi publicado num fórum interno da Google pelo funcionário James Damore, engenheiro de software, mas acabou por ser divulgado pela comunicação social.

A Google avançou, então, com o despedimento do funcionário, alegando que violou o código de conduta da empresa, conforme explica o director executivo da gigante tecnológica, Sundar Pichai, num email enviado aos empregados, segundo citam vários órgãos de informação norte-americanos.

(...) O artigo de James Damore foi divulgado na íntegra pelo site de tecnologia Gizmodo que não revela como teve acesso ao documento, nem aponta o nome do funcionário envolvido.

James Damore foi, entretanto, identificado como o autor do texto que refere que "as capacidades de homens e mulheres são diferentes, em parte, devido a causas biológicas", diferenças essas que "podem explicar porque não vemos uma representação igual de mulheres na tecnologia e na liderança", conforme escreve.

O engenheiro acrescenta que, geralmente, as mulheres "preferem trabalhos em áreas sociais e artísticas", enquanto há "mais homens que se interessam por programação de computadores".

Uma das etiquetas no original: "Direitos da Mulher". Primeiro, vamos supor, sem ler a matéria, que realmente foi um caso de sexismo grave. Onde isso aconteceu? Não só em uma empresa privada, isso aconteceu em uma das principais empresas da internet. A empresa que tem o maior buscador da internet, o maior canal de vídeos, um dos maiores hospedeiros de blogues (o Blogger), uma das maiores lojas virtuais de aplicativos.

Se uma empresa como essa é contra a depreciação das mulheres por homens, quem é a favor? Por que o movimento feminista ainda faz passeatas e outros eventos se uma das maiores empresas privadas do mundo faz tudo que as lésbicas querem? Ah, ainda falta alguma coisa? Por que as lesbofeministas esperam conseguir o que querem? O que uma empresa privada como essa ganharia com isso?

E se o texto não foi ofensivo, só meia dúzia de verdades que as lésbicas não gostam e num fórum que gente de fora da empresa nem teria acesso, o caso é mais grave. E qual a diferença entre ser demitido por contrariar LGBT-feministas em um fórum interno de uma empresa privada dos Estados Unidos e ser preso em um país socialista por ser dissidente político? Por que um desses países tem liberdade e o outro não?

Mas e o Liberalismo, ou o Ultraliberalismo (chamado erradamente de Anarcocapitalismo), como defendê-lo agora? Liberdade empresarial para defender o Socialismo pode? Por sinal, por que os defensores do livre mercado são, a grosso modo, meia dúzia de imitadores de advogado de explorador de mão-de-obra escrava, que mantêm o trabalho com financiamento coletivo e monetização dos vídeos no Youtube? Ops, o Youtube é do Google!

Vou dar um exemplo de um "libertarian" que ainda está se recuperando da pancada:

Joel Pinheiro da Fonseca

09 de agosto de 2017 às 12:21

A Google tem o direito legal de demitir esse funcionário? Não duvido que tenha.

Contudo, foi uma decisão justa, ética, admirável? Não foi.

A Google insiste no discurso de liberdade de expressão, dá aos funcionários um foro justamente para se expressar, e pune alguém que traz um texto muito razoável, bem argumentado e sensível a todos os pontos de vista. Mesmo assim, alguns se sentiram profundamente ofendidos.

E sabemos como a subjetividade de quem se ofendeu - não importa a causa - é a coisa mais sagrada do mundo...

Mais no meu canal do Youtube. Curtam, sigam! :)

[Visualização do vídeo "Google e o pensamento único", https://www.youtube.com/watch?v=pk1msx7dO0Y]

(https://www.facebook.com/joel.pinheirodafonseca/posts/1468481303197541)

E um outro "libertarian" comentou essa postagem. Parece que ele também não entendeu a porcaria, mas já deu uma ilustração do que eu estava dizendo no outro texto:

Luciano Henrique Ayan com Joel Pinheiro da Fonseca.

09 de agosto de 2017 às 22:17

O Joel é gente boa, eu já disse. Mas ele precisa decidir de que lado está.

Há umas 2-3 semanas ele ficou do lado dos "fact checkers" da extrema esquerda, que são a base para o novo sistema de censura do Fêicebuki e do Gûgol.

E agora que o Gûgol demitiu um funcionário por emitir sua opinião, ele critica.

Estão vendo como é complicado tomar posição sem entender os movimentos dentro da guerra política?

Em resumo, ele defendeu há 2-3 semanas o principal mecanismo feito para habilitar a censura. E quando a censura acontece, ele reclama.

Aí fica difícil, viu...

(https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1645261208831790&set=a.745128438845076.1073741827.100000437804969)

E mais uma notícia: "60 mulheres estudam entrar na Justiça contra Google por sexismo", The Brief, 14 de agosto de 2017. "A polêmica foi grande o bastante para reascender o debate sobre discriminação de gênero dentro da empresa do Vale do Silício. O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos investiga a companhia para analisar se há ou não diferença entre salários de homens e mulheres." E aquele funcionário que foi demitido "estuda também entrar na Justiça contra a companhia." A Google não tolera "sexismo" ou antifeminismo. 60 mulheres denunciaram a Google por tolerar ou praticar o sexismo. Se cada uma "queimar" um homem, já são 61 "sexistas". Aí, cada homem "sexista" vai ter uma mulher nova (na melhor das hipóteses) fazendo acusação semelhante. Se a Google não fizer com os outros 60 homens o que fez com o primeiro, vai provar que é sexista. Se fizer, vai provar que é sexista porque só aí foram 61 sexistas. Entenderam? E se esses 61 homens processarem a empresa por terem sido demitidos por sexismo, como a empresa explica de que lado está? Por que a empresa que é uma das maiores empresas privadas do mundo não mandou aquelas lésbicas chatas pro Inferno desde o começo? E que adianta a empresa explicar que é contra o machismo, se vai ser processada de um lado por lésbicas encrenqueiras e do outro pelos bodes expiatórios?

Ah, e eu mencionei rapidamente a Teoria da Ferradura no outro texto. Eu fui procurar um texto a respeito, achei um vídeo do Alysson Augusto, "Teoria da Ferradura: quando esquerda e direita se aproximam". Também achei o verbete da Wikipedia, mas esse vídeo é mais legal.

(O texto foi publicado no dia 16, o penúltimo parágrafo é uma atualização do dia 19)

Apêndices

"Teoria da Ferradura: quando esquerda e direita se aproximam", Alysson Augusto, 01 de maio de 2017. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BY_aQG7xJIA.

Teoria da Ferradura: quando esquerda e direita se aproximam

[00:00 a 00:01] Vem cá, você conhece a Teoria da Ferradura?

[00:10 a 00:17] Antes da gente começar a bater um papo, eu quero que você já deixe a sua curtida aqui neste vídeo e vá preparando o seu comentário. E sobre esse assunto, eu quero a sua opinião.

[00:17 a 01:01] Então, me diz: esquerda, direita, centro, até que ponto essas distinções políticas são realmente diferentes na prática? Bom, você e eu estamos familiarizados com a internet, nada mais comum do que as pessoas se classificarem como ou de esquerda ou de direita, essas definições vêm lá da Revolução Francesa. Só que essas classificações não bastam, simplesmente porque a gente percebe a necessidade de qualificar ainda mais o debate. E é por isso que nós temos hoje o Diagrama de Nolan e o "Political Compass", "Bússola Política" em tradução livre. São testes que você faz pra saber que tipo de esquerda ou direita você é, de forma menos simplificada do que apenas esquerda ou direita. Só que mesmo estes testes não parecem ser suficientes pra mostrar como esses espectros políticos se relacionam na prática.

[01:02 a 01:26] O que faz vir à tona a chamada Teoria da Ferradura, proposta pelo filósofo francês Jean-Pierre Faye, no seu livro "O Século das Ideologias". Estipula que os extremos dos dois lados significam ambos totalitarismos, só que de diferentes maneiras. E que enquanto fazemos esses testes, além de qualificarmos nosso posicionamento político, social, econômico, percebemos que não há apenas diferenças entre espectros políticos diferentes. Acima de tudo, há semelhanças.

[01:27 a 02:25] Nesse sentido, a Teoria da Ferradura é uma teoria da Ciência Política que vem justamente tentar explicar essa proximidade prática que ocorre entre esquerda e direita. O diferencial dessa teoria é que ela diz que pessoas moderadas de esquerda ou direita, elas são mais diferentes entre si do que são diferentes as pessoas extremistas de ambos os lados. Em outras palavras, os extremistas dos dois lados têm mais em comum do que os moderados dos dois lados. Sabe por que isso é o diferencial? Porque isso é contraintuitivo, já que nós tendemos a pensar em termos lineares da esquerda pra direita. O que essa teoria faz é justamente pegar essa linha e dobrar ela, formando, assim, uma ferradura, e aproximando os extremos. Pensa comigo: quando a ideia que temos de esquerda e direita é uma linha, quanto mais uma pessoa vai pra cada extremo da linha, mais distante ela fica do outro extremo. Mas a Teoria da Ferradura dobra esta linha, eles mostram então que os extremos são mais próximos que o meio-termo de cada lado.

[02:26 a 03:08] Um exemplo dessa teoria seria o medo proveniente tanto de uma esquerda mais alarmista quanto de direita mais temerosa, o medo relativo à globalização após a crise de 2008. Na Alemanha, o populismo de esquerda pregava o isolacionismo, o protecionismo e a redistribuição de renda. Na Áustria, a reação à globalização foi parecida, só que dessa vez foi o populismo de direita. Outro exemplo é do chamado novo antissemitismo, que seria uma nova forma de antissemitismo vindo tanto de uma extrema-esquerda, por exemplo, o fundamentalismo islâmico com apoio soviético, quando de uma extrema-direita que o núncio Arns entendia como Nazismo. Sim, eu sei, esse exemplo é bem polêmico, mas pra fins didáticos, eu jogo eles pra vocês.

[03:08 a 03:51] Existem diversas formas de aplicação da Teoria da Ferradura, e que poderíamos falar de diversas ideologias e mesmo causas sociais. Por exemplo, geralmente, nós atribuímos segregação e discriminação à direita. No entanto, com pretensões de justiça social, a esquerda está causando discriminação e segregação ativamente nos dias de hoje. Ou então, muçulmanos que vandalizam anúncios de biquíni por razões socialmente conservadoras. Bem como feministas radicais fazendo exatamente o mesmo contra a expressão da liberdade sexual feminina. Sem falar nos movimentos negros antirracistas, que podem, indo tão longe, que acabam sendo eles mesmos racistas. Os exemplos são realmente inúmeros, eu realmente não consigo esgotá-los.

[03:51 a 03:57] Só pra efeito de ilustração, eu deixo essa imagem aqui na tela, que eu peguei na internet. Então, fiquem à vontade pra apontar os erros dela.

[03:57 a 04:31] Eu tentei catalogar algumas correntes políticas e, na prática, ditadura de esquerda ou direita não faz tanta diferença assim. Pegue, por exemplo, o Socialismo na extrema-esquerda. O Socialismo depende de um governo central forte, que diz para os cidadãos que eles devem trabalhar para o bem coletivo (no caso, o povo), e também diz que a riqueza deve ser distribuída igualmente. Já o Fascismo, na extrema-direita, depende de um governo central forte, que diz que os cidadãos devem trabalhar para o bem coletivo (no caso, o Estado), e também diz que a riqueza deve ser distribuída igualmente. São extremos opostos que se encaixam muito fácil numa equivalência prática.

[04:32 a 04:54] Esse tipo de aproximação ocorre também em questões científicas. Tanto conservadores fervorosos quanto esquerdistas nervosos acabam sendo céticos quanto à Ciência. Os conservadores atribuem conspiração por parte do Governo e os esquerdistas acabam atribuindo conspiração por parte da indústria farmacêutica. Mas ambos, por motivos diferentes, acabam fazendo a mesma coisa na prática, que é relativizar a Ciência.

[04:55 a 05:10] Tendo essa teoria em mente, a nossa preocupação passa a ser o que fazer com essa informação. Porque, afinal, se nós percebemos que lados tão diferentes acabam sendo tão iguais, qual o verdadeiro problema? Pois eu digo: falta de moderação e razoabilidade.

[05:12 a 05:34] Muito obrigado por assistir mais um vídeo aqui no canal. E se você gostou, já sabe: curta e compartilhe. Ah, e caso você queira uma indicação que brinca com essa teoria, você pode procurar pelo filme "Horseshoe Theory", que brinca com a questão a partir de um acordo de paz entre um supremacista branco e um membro do Estado Islâmico. Olha só, eu só vi o "trailer", mas promete.

[05:34 a 05:53] Pra finalizar, meu desafio a vocês é que coloquem aí nos comentários exemplos de lados opostos, seja na política, no futebol, na religião, o que for, que acabam sendo semelhantes em algumas coisas ou então que, mesmo com objetivos diferentes, acabem sendo, na prática, muito parecidos. Então, eu vou ficando por aqui, o meu nome é Alysson Augusto, até o próximo episódio.

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Diagrama de Nolan: http://diagramadenolan.org.br/?locale=pt

Political Compass: https://www.politicalcompass.org/test/pt-br

8Values: https://8values.github.io/

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REFERÊNCIAS:

LIVRO "O Século das Ideologias": http://amzn.to/2pQQRPD

Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Horseshoe_theory

Jean-Pierre Faye: https://en.wikipedia.org/wiki/Jean-Pierre_Faye

Rational Wiki: http://rationalwiki.org/wiki/Horseshoe_theory

Curiosity - "The Horseshoe Theory Says Right And Left Wing Are More Similar Than You Think": https://curiosity.com/topics/the-horseshoe-theory-says-right-and-left-wing-are-more-similar-than-you-think-curiosity

Trailer filme "Horseshoe Theory": https://www.youtube.com/watch?v=1rAUba7puQY

"United for Peace of Pierce County": https://web.archive.org/web/20070930160218/http://www.ufppc.org/content/view/1751/2

DailyMail - "Fury at Labour's segregated rally: Sexism row after senior party figures attend Birmingham election meeting where Muslim men and women are seated separately": http://www.dailymail.co.uk/news/article-3068429/Labour-sexism-row-men-women-segregated-party-rally-critics-accuse-selling-values-votes.html

LA Times - "For Asian Americans, a changing landscape on college admissions": http://www.latimes.com/local/california/la-me-adv-asian-race-tutoring-20150222-story.html#page=1

DailyMail - "Censored! Bikini advert blacked out with spray paint by 'Muslim extremists who object to women in swimsuits'": http://www.dailymail.co.uk/news/article-1386364/Censored-Bikini-advert-blacked-spray-paint-Muslim-extremists-object-women-swimsuits.html

CNBC - "Bomb threat over bikini billboard ad": http://www.cnbc.com/2015/04/29/bomb-threat-over-bikini-billboard-ad.html

The Spectator - "White people have been banned from an 'anti-racism' event at a British university": https://blogs.spectator.co.uk/2015/04/white-people-have-now-been-banned-from-an-anti-racism-event-at-a-british-university/#

G1 - "Negros que agrediram jovem branco são indiciados por crime de racismo": http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/negros-que-agrediram-jovem-branco-sao-indiciados-por-crime-de-racismo.ghtml

Horseshoe Theory of the Political Spectrum: https://www.youtube.com/watch?v=zv19sPY9CzU

Imagem utilizada: http://schoolsucksproject.com/wp-content/uploads/470sq-1.png

Você conhece a Teoria da Ferradura?

- Medium: https://medium.com/@leoferreira/voc%C3%AA-conhece-a-teoria-da-ferradura-4de48bb3c1ea

"O ovo e o pinto", Olavo de Carvalho, 03 de agosto de 2014. Disponível em http://www.olavodecarvalho.org/o-ovo-e-o-pinto.

O ovo e o pinto

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 03 de agosto de 2014

Meu artigo anterior suscitou uma pergunta interessante na área de comentários: se há tanta gente nas altas esferas colaborando com o comunismo, como é que ele ainda não dominou o mundo?

A primeira e mais óbvia resposta é que "o comunismo" como regime, como sistema de propriedade, é uma coisa, e o "movimento comunista" enquanto rede de organizações é outra. O primeiro é totalmente inviável, mas por isso mesmo o segundo pode crescer indefinidamente sem jamais ser obrigado a realizá-lo, limitando-se, em vez disso, a colher os lucros do que vai roubando, usurpando, prostituindo e destruindo pelo caminho.

São duas faixas de realidade completamente distintas, que se mesclam numa confusão desnorteante sob a denominação de "comunismo".

Uma analogia tornará as coisas mais claras. Nenhum ser humano pode levar uma vida razoável com base numa loucura, mas, por isso mesmo, nada o impede de ficar cada vez mais louco: ele se estrepa, mas a loucura progride. A força da loucura consiste precisamente em furtar-se ao teste de realidade. Os comunistas não podem realizar a economia comunista. Se têm uma imensa facilidade em arrebanhar pessoas para que lutem por esse fim irrealizável, é precisamente porque ele é irrealizável, o que é o mesmo que dizer: inacessível a toda avaliação objetiva de resultados.

Jamais existirá uma economia comunista da qual seus criadores digam: "Eis aqui o comunismo realizado. Podem julgar-nos e dizer se cumprimos ou não as nossas promessas." É da natureza mais íntima do ideal comunista ser uma promessa indefinidamente autoadiável, imune, por isso, a todo julgamento humano. Seu prestígio quase religioso vem exatamente disso: o comunismo traz o Juízo Final do céu para a Terra, mas também sem data marcada.

Daí o aparente paradoxo de um movimento que, quanto mais cresce e mais poderoso se torna, mais se afasta dos seus fins proclamados. A esse paradoxo acrescenta-se um segundo: quanto mais se afasta desses fins, mais o movimento está livre para alegar que foi traído e que tem direito a uma nova oportunidade, com meios mais "puros". Mas o paradoxo dos paradoxos reside numa faixa ainda mais profunda.

Se alguém diz que vai fazer o impossível, com certeza não fará nada ou fará outra coisa. Se fizer, poderá ao mesmo tempo dar a essa coisa o nome daquilo que pretendia e alegar que ela ainda não é, ou que não é de maneira alguma, aquilo que pretendia. Daí a ambiguidade permanente do discurso comunista, que pode sempre se alardear um movimento poderoso destinado a uma vitória inevitável, e ao mesmo tempo minimizar ou negar a sua própria existência, jurando que ela não passa de uma "teoria da conspiração", de uma invencionice de lacaios do capital.

É alucinante, mas é o que acontece todos os dias. Definitivamente, a mente comunista não funciona segundo os cânones da psicologia usual, mas segue uma lógica própria, onde se misturam, em doses indistinguíveis, a habilidade dialética, o autoengano histérico e a mendacidade psicopática.

Por isso mesmo é que o crescimento vertiginoso do movimento comunista acompanha, "pari passu", não a decadência do capitalismo, mas a escalada do seu sucesso. O comunismo como regime, como sistema econômico, não existe nem existirá nunca. O comunismo só pode existir como movimento político que vive de parasitar o capitalismo e, por isso mesmo, cresce com ele.

Mas, por mais que sobreviva e se fortaleça, o corpo parasitado não sai ileso da parasitagem: limitado cada vez mais à função de fornecedor de recursos e pretextos para o parasita, ele vai perdendo todos os valores morais, religiosos e culturais que originalmente o inspiraram e reduzindo-se à mecanicidade do puro jogo econômico, cada vez mais fácil de criticar, enquanto o parasita se adorna de todo o prestígio da moral e da cultura.

O modus operandi dessa parasitagem é duplo: de um lado, as economias comunistas só sobrevivem graças à ajuda capitalista vinda do exterior. De outro, em cada nação, o crescimento da economia capitalista alimenta cada vez mais a cultura comunista.

Na mesma medida em que a mais absoluta inviabilidade impede a construção da economia comunista, o comunismo militante alcança vitória atrás de vitória no seu empenho de transformar o capitalismo numa geringonça infernal e sem sentido. Toda a lógica do comunismo, em última análise, deriva da idéia hegeliana do "trabalho do negativo", ou destruição criativa.

Mas "destruição criativa" é apenas uma figura de linguagem, uma metonímia. A destruição de uma coisa só pode dar lugar ao crescimento de outra se esta for movida desde dentro por uma força criativa própria, que nada deve à destruição. Esperar que a destruição, por si, crie alguma coisa, é como querer que nasça um pinto de um ovo frito.

4 comentários:

  1. E olha só, aconteceu enquanto eu preparava esse texto: "60 mulheres estudam entrar na Justiça contra Google por sexismo", The Brief, 14/08/2017, https://www.thebrief.com.br/mercado/118929-60-mulheres-estudam-entrar-justica-google-sexismo.htm

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  2. Tô curtindo muito seus textos, pois você possuialgo que admiro muito nas pessoas: sem ficar puxan do para um ou outro lado político, não favorecendo inguém em absoluto!

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  3. E eu vou enriquecendo o meu vocabulário.

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Abigail Pereira Aranha no VK: vk.com/abigail.pereira.aranha
E-mail: saindodalinha2@gmail.com

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